Fonte: Um cartão de Paris. Seleção e organização de Domício Proença Filho, Record, 1997, pp. 57-59.
Recordo, sem nenhuma saudade, o tempo que passei redigindo anúncios. O leitor comum não pode imaginar que um pequeno anúncio é tão trabalhoso como um soneto.
Foram os americanos que fixaram as normas do anúncio comercial. E essas normas funcionam. O redator tem de respeitar estes e aqueles princípios, tocar nestes e naqueles pontos. São regras fáceis de decorar e difíceis de aplicar. Claro que vale muito "bolar" alguma novidade para atrair ou prender o leitor, mas isto dentro de certos limites. O publicitário tem de examinar a frase depois de escrita, pesar sua força, limpá-la de todo o supérfluo, imaginar o efeito psicológico que ela poderá ter. Deve estudar todos os elementos de que pode lançar mão para convencer o leitor, pensar em tudo que lhe vai sugerir, despertar nele a vontade de comprar, apelando para o seu senso de economia, ou de conforto, ou sua vaidade, ou seu desejo de êxito social ou amoroso. E para isso, de acordo com o produto ou serviço que pretende vender, deve atender a mil pequenas circunstâncias, meditar sobre o estado psicológico do tipo de pessoa a que se dirige, nível social, sexo, idade, situação financeira, problemas, enfim uma interminável chateação.
Bons escritores brasileiros fizeram publicidade: basta citar Bilac e Alvaro Moreyra; mas não viviam disso. O primeiro verdadeiro profissional que eu conheci foi Orígenes Lessa, lá por 1933. Ele acabara de publicar Não há de ser nada, crônicas sobre o movimento de 1932, de que participara: trabalhava, se não me engano, na Thompson, e era casado com a mulher mais bonita de S. Paulo e provavelmente da América do Sul, chamada Elsie (Pinheiro) Lessa, essa mesma que ainda hoje escreve de vez em quando no O Globo. Vem daí, talvez, o prestígio que aos meus olhos sempre tiveram os homens de publicidade; além do mais, Orígenes falava inglês, coisa rara naquele tempo.
Hoje os grandes homens da publicidade nada têm com a literatura, e talvez mesmo a olhem com um certo desprezo condescendente. São figuras de alta proa, que em geral nem usam nomes, mas apenas iniciais de misteriosos triunviratos — este é o P da GMP, aquele é o J da NRJ, assim por diante. Cavalheiros eminentes e ricos, jorges amados sem literatura, profetas de nosso capitalismo frenético.
Mas voltemos ao escritor comum que faz publicidade. Valerá de alguma coisa o treino publicitário com toda a sua minuciosa disciplina? Não lhe será esse "serviço militar" útil para desenvolver o senso de economia verbal, precisão, clareza? "Não", me diz um deles, "emburra”.
A menos que na hora de folga ele jogue tudo aquilo fora e se entregue à literatura mais solta, escrevendo coisas assim: "A lua de agosto semeava crisântemos e bicicletas verdes no abril de teu sonho de mariposa tonta..."
Fevereiro, 1990