1. Para o fim do ano: miudezas e pérolas, enquanto se faz um exame de consciência.
A pérola fica por conta de Vinicius de Moraes. Antônio e eu fomos visitá-lo, e encontramos o poetinha na santa paz de seu coração, acompanhado do filho Pedro que é também um artista. Vinicius nos mostrou um álbum de magníficas fotos do Rio de Janeiro, com textos assinados por ele e por Ferreira Gullar. Depois, comentou:
— Imaginem vocês que as pessoas ficando doidas, generosas e sem critério. Apareceu aí um publicitário me oferecendo um dinheiro por 30 segundos na TV. Meu trabalho era só aparecer com um copo de uísque na mão, dizendo:
“Que não seja imortal, posto que é chama,
Mas que seja infinito enquanto DRURY'S”!
2. Por falar em Gullar, sonhei que ele estava de volta ao Brasil, após longa temporada no exterior. Fiquei feliz (depois de acordar), ao percorrer as livrarias e verificar que o Poema sujo está esgotado. Feliz pelo poema, a voz reencontrada, a saudade do Brasil concentrada na infância e no Maranhão. Triste, por ser apenas um sonho. Só quem andou longe pode avaliar o que vem a ser a saudade deste país, onde nascemos e, bem ou mal, temos que tocar para a frente. Certa vez, intentando um exílio voluntário, fui apanhado por esse sentimento em plena neve, no Boulevard de Montparnasse. Algumas horas depois, voava de volta ao lar. Sabem o que me lançara naquela necessidade urgente de pátria? O mais infantil dos desejos: eu queria provar o gosto da cerveja Malzbier, geladinha, num botequim bem vagabundo! Por isso abandonei a França e um destino que já se configurava. O único país que temos é este Brasilzinho avacalhado, de samba, futebol e outras bossas que não trocamos por nenhum outro. No sonho, recebíamos Gullar com solene festa, ao jeito que ele prefere, sem destemperos e com aguda percepção do nosso destino nacional. Os seus mortos queridos, que se vão na flor da idade, estavam presentes. E recitavam o meu predileto na coleção da Luta Corporal:
“As rosas que colho não são essas, frementes na iluminação da manhã”...
3. Bomba! Bomba! Paul Newman despistou todo mundo e está em minha casa, bebendo champanhe e fazendo retiro espiritual. Explicou que não pretende badalar com Jorginho Guinle, Tânia Caldas, Odile e Paulo Coelho. “Badalação eu tenho em toda parte, o ano inteiro”, comentou. E anunciou a chegada, em três ou quatro semanas, de Frank Sinatra em pessoa, agora que foi desfeita a maldição da bruxa. Todos sabem que uma bruxa, nos anos 40, advertiu Sinatra: “Não vá ao Brasil antes de 1977, que a morte te alcança”. Liberado agora pelas potências infernais, poderá finalmente conhecer o nosso jet set. Mas pede que não o obriguem a cantar no Fantástico, andando descalço na beira do mar.
4. Não vejo Ronaldinho há três meses. É um boêmio de Ipanema, famoso pelas confusões em que se envolve, e que felizmente sempre terminam bem. Telefonei para lhe dar as boas festas e o papo foi rápido:
— Alô? Ronaldinho?
— Ele mesmo.
— Aqui é o Carlinhos, pô.
A resposta veio apavorada, do fundo do abismo dessa noite que principiou na véspera do Natal:
— Carlinhos... Eu não me lembro de nada, mas estou profundamente arrependido!
Desliguei, concluindo que, como diz Vinicius, o pessoal está mesmo doido e sem critério. Agora, avancemos, trôpegos, na direção de 1977!