Fonte: Toda crônica.  Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. II, p.569-570. Publicada, originalmente, na revista Careta, de 14/10/1922 e, posteriormente, no livro Coisas do reino do janbom,  1956, pp. 194.

 Falam os jornais na criação de novos ministérios. Ninguém poderá dizer que seja uma desnecessidade. O Brasil é grande e rico. Estão aí a exposição e a caristia dos aluguéis de casa, para prová-lo. Até bem pouco era governado por cinco ministros: Guerra, Marinha, Viação, Justiça, Exterior. Há alguns anos acrescentaram mais um: o da Agricultura. Veio a calhar. A nossa lavoura definhava, a pecuária agonizava e a carne-seca estava barata. Mal é criado o Ministério da Agricultura, a lavoura toma um próspero surto; os bois, as vacas, os cabritos, os carneiros, os suínos aumentam de uma forma assustadora; e a carne-seca fica cara, caríssima.

O exemplo dessa recente instalação ministerial é deveras animador, para fazermos mais outras. Estou bem certo que, em vindo elas, as dificuldades atuais por que passam a Pátria, o Governo e o Povo desaparecerão.

O que é indispensável é escolher bem os títulos de novos departamentos da alta administração federal e o objetivo de sua ação.

Apontam a criação de um Ministério dos Correios e Telégrafos. Para quê? Os Correios e Telégrafos, como estão, vão muito bem. 

Fazer deles um ministério é complicar mais a coisa. Imaginem só um ministro de Estado, recebendo a reclamação pelo extravio de uma carta ou pela demora de transmissão de um despacho telegráfico? Será possível? Não; não pode ser.

O que se deve criar é um Ministério de Economias Nacionais, o Ministério dos Negócios do “Pé-de-Meia”. Há muito desperdício por aí, pelas nossas secretarias e repartições. O sr. Cincinato Braga calcula que, se todas as penas usadas nelas fossem guardadas depois de gastas e vendidas, teríamos por ano uma renda líquida de 8.542 contos de réis. O que se diz para as penas pode-se aplicar aos papéis de ofício que, por isso ou aquilo, são estragados e postos fora. E os restos de comida dos quartéis, navios, asilos, prisões, etc. – quanto não dariam? E o estrume das estrebarias dos corpos montados e de outras repartições que as têm? Há, como estas, uma centena de fontes de renda que ninguém se lembra de aproveitar; mas que o nosso grande financeiro, o Sr. Antônio Carlos, avalia poderem dar ao país mais de cem mil contos anualmente, que serviriam muito bem para atenuar os crônicos deficits dos nossos orçamentos.

Outro ministério que devia ser criado era o de “Football e outros esportes”. Agora com a “exposição” nós estamos vendo como ele se faz necessário. A comemoração do “Centenário” a bem dizer tem sido totalmente esportiva; mas há, nos torneios e partidas, não sei que difusão de esforços, impropriedades que estão a exigir um aparelho centralizador que tudo consiga. 

Saul de Navarro, no seu último e curioso livro – Prosas rebeldes –, conta que encontrou Nero, certa noite destas, fascinado diante de um violento incêndio urbano. Duvidou, mas era ele mesmo Nero; entretanto havia diferença, que Saul explica nestas palavras: 

 

Uma diferença, apenas, estabelecia contraste entre o “imperador” e aquela figura exótica: o trajo estava longe de imponência da toga imperial, do régio manto dos altivos soberanos de Roma. Vestes modernas, definindo a elegância precária de um burguês pacato.

 

Há cousa parecida na nossa comemoração esportiva.

Não posso compreender jogos olímpicos em que entram, já não direi o football, mas tiro ao alvo, com carabina ou pistola, boxe e water-polo, etc., etc.

Há nisso anacronismos que ferem como o Nero, de Saul Navarro, vestido burguesmente como qualquer de nós.

No jogo do disco, que dizem ser puramente grego, os nossos atuais jogadores, com o corpo horrivelmente retorcido, contraem de tal forma o rosto que, se fossem posar para autênticos escultores gregos, mesmo que não se tratasse de estatuários do século V a.C., fugiriam estes a todo o pano de tais modelos. Como longe estão da sábia elegância, da serenidade dos mármores gregos e da harmonia de suas linhas! Um ministério daria remédio a tudo isso – é de crer.

Quanto ao boxe, eu julgo que pode ser corrigido desde já. Não há uma “Sociedade Protetora dos Animais”? Ela não se tem batido pela proibição das touradas; e, agora mesmo, não está conseguindo no Senado a passagem de um projeto de lei que as proíbe em todo o território nacional, bem assim brigas de galos, de canários e tiro aos pombos?

Para acabar com o estúpido boxe e não figurar ele mais em jogos gregos, no Rio de Janeiro, não era preciso a criação de um ministério especial para os negócios esportivos; bastava, ad instar da “Protetora dos Animais”, a criação de uma “Sociedade Protetora dos Homens”. Estou certo de que, no fim de um ano, ela conseguiria que o Senado ajuntasse à lista dos esportes que vai proibir esse inumano e feroz boxe.

lima-barreto