Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. II. p.538. Publicada, originalmente, na revista Careta, de 22/07/1922 e, posteriormente, no livro Feiras e mafuásSão Paulo, Brasiliense, 1956, p.67.

São Paulo tem a virtude de descobrir o mel do pau em ninho de coruja. De quando em quando, ele nos manda umas novidades velhas de 40 anos. Agora, por intermédio do meu simpático amigo Sérgio Buarque de Holanda, quer nos impingir como descoberta dele, São Paulo, o tal de “futurismo”.

Ora, nós já sabíamos perfeitamente da existência de semelhante maluquice, inventada por um senhor Marinetti, que fez representar em Paris, num teatro de arrabalde, uma peça – Le Roi Bombance – cuja única virtude era mostrar que “il Marinetti” tinha lido demais Rabelais.

Sabemos todos que o cura de Meudon floresceu no século XVI. Assim sendo, vejam os senhores como esse “futurismo” é mesmo arte, estética do futuro.

Recebi e agradeço uma revista de São Paulo que se intitula Klaxon*. Em começo, pensei que se tratasse de uma revista de propaganda de alguma marca de automóveis americanos. Não havia para tal motivos de dúvidas, porque um nome tão estrambótico não podia ser senão inventado por mercadores americanos, para vender o seu produto.

Quem tem hábito de ler anúncios e catálogos que os Estados Unidos nos expedem num português misturado com espanhol sabe perfeitamente que os negociantes americanos possuem um talento especial para criar nomes grotescos para batizar as suas mercancias.

Estava neste “engano ledo e cego”, quando me dispus a ler a tal Klaxon ou Clark. Foi então que descobri que se tratava de uma revista de Arte, de Arte transcendente, destinada a revolucionar a literatura nacional e de outros países, inclusive a Judeia e a Bessarábia.

Disse cá comigo: esses moços tão estimáveis pensam mesmo que nós não sabíamos disso de futurismo? Há 20 anos, ou mais, que se fala nisto e não há quem leia a mais ordinária revista francesa ou o pasquim mais ordinário da Itália que não conheça as cabotinagens do “il Marinetti”.

A originalidade desse senhor consiste em negar quando todos dizem sim; em avançar absurdos que ferem não só o senso comum, mas tudo o que é base e força da humanidade.

O que há de azedume neste artiguete não representa nenhuma hostilidade aos moços que fundaram a Klaxon; mas, sim, a manifestação da minha sincera antipatia contra o grotesco “futurismo”, que no fundo não é senão brutalidade, grosseria e escatologia, sobretudo esta. Eis aí.

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*Klaxon, revista mensal dedicada à arte moderna, teve nove edições, publicadas entre maio de 1922 e janeiro de 1923. Primeira revista organizada para divulgação e circulação das ideias modernistas.Seu alcance, principalmente no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, chegou a Recife, sob a liderança do poeta e crítico pernambucano Joaquim Inojosa, além de ramificações em outros países.

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