Gosto da vida e de viver pelas pequenas alegrias que me deram. Por isso queria morrer meia hora antes do instante marcado. Trinta minutos para só fazer e sentir o que fosse de melhor: ter uma confissão de amor, ver os olhos do meu filho, fumar um cigarro em sensação de cansaço, ouvir uma música que se chama These Foolish Thing, embriagar-me e me apaixonar em seguida. Gostar de viver é, em mim, uma coisa meio inexplicável. Fui sempre um tímido, um preguiçoso e, essencialmente, um tímido. As coisas boas passavam em velocidade sônica e meus gestos se encolheram sempre, sem se sentirem capazes de tomá-las. Em volta, havia a admirável audácia dos outros a recebê-las antes de mim. Mas mesmo assim sinto-me capaz de pedir e de merecer meia hora de vida além da vida, para repetir essas pequenas alegrias que me deram. Que alegrias são essas? Com exatidão, não sei, mas houve. Ter sido querido em bem de amor, por exemplo? Certamente, não fui. E quem poderá dizer que foi amado? A gente nunca sabe. Mas sei que gostei dos outros, tantas vezes, e isto é muito. Querer bem tem sido uma constante em minha vida. Quis bem à beleza, à inteligência, à juventude, ao erro, à generosidade, à coragem, à lágrima e ao carinho dos outros. O próprio ar que, em momentos, se parece com uma certa melodia jamais tocada. Experimenta, amigo, recordar os ares das manhãs feriadas de tua infância.
É necessário, portanto, viver mais, além do instante que seria o último, por essas pequenas felicidades que tivemos. Por mais habituado que se esteja consigo mesmo e, de si mesmo fatigado, o minuto a mais será sempre um nascimento e uma redenção. Por essas crenças que ainda me restam, gosto de viver agora que anoitece e a rua está triste. E gostarei mais ainda amanhã, quando vier outro dia para clarear o meu mar.