Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. I, p. 59. Publicada, originalmente, em A Lanterna, de 1/12/1900.
O nosso caro Rio de Janeiro não é absolutamente um meio artístico – é o que temos ouvido dizer desde que nos entendemos, é o que vemos a cada passo demonstrado nas tentativas, que se sucedem e malogram, de educação do gosto público e incremento às artes nacionais.
Entretanto, poucos países novos foram favorecidos do bom Deus por uma floração tão brilhante de músicos, pintores, poetas, de tal sorte que a matéria-prima, o talento, não nos falta para a larga produção; mas a clássica e santa indiferença do povo estiola, pelo desânimo, os rebentos que de vez em quando apontam.
Na música, qual o país americano que apresenta um grande morto como C. Gomes, a uma plêiade esplêndida como a que compõem Miguez, Nepomuceno, Mesquita, Braga, Napoleão, Araújo Viana, Faulhaber, Queirós, Delgado, Milanez, e tantos compositores de real talento, e o número considerável de virtuosi ilustres, que nos temos habituado a aplaudir?
Mas a indiferença a todos esses tem aos poucos entregue ao desânimo e à inação o professorado, que acaba de amortecer a vibração juvenil d’arte que trouxeram do berço.
Vimos domingo último, pela centésima vez, um magnífico e interessante concerto sinfônico, tendo um auditório ínfimo para esta cidade de 800 mil habitantes...
Mais um que as musas protegem, o talentoso Francisco Braga, artista bem brasileiro e amante de seu país, sofreu a dura decepção de ver, depois de estrondosas ovações a uma sua partitura, que lhe não rendeu um real, reunido para o seu primeiro concerto sinfônico um resumido grupo de dilettanti, entusiasta, é verdade, mas representando um capital ínfimo, para um artista que precisa de imediatos auxílios.
Um programa inteligente e de gosto, o desse primeiro concerto. Peças sinfônicas dos grandes Beethoven, Mozart e Lizt, ainda não ouvidas entre nós, aumentavam o atrativo da primeira audição de Marabá, Cauchemar, Pro Patria e do Episódio sinfônico, quatro excelentes páginas do aclamado sinfonista brasileiro.
As palavras que vieram naturalmente aos nossos lábios, ouvindo os primeiros compassos das composições de F. Braga, foram: “Temos boa musica” e foi esta a impressão total do auditório, aplaudindo com calor o maestro brasileiro.
Boa, excelente música. Um encanto natural, espontâneo, parte de toda a complicada e primorosa harmonização, para os ouvidos capazes de compreender as belezas extraordinárias de um poema em que todos os segredos da técnica são requintadamente explorados, a fim de formar um esplendoroso bouquet, que, se não nos deixa nos ouvidos o suave dulçor de uma melodia distinta, dá-nos o momentâneo gozo puramente intelectual de exuberante floração de ritmos, cadências, escalas, fugas, magistralmente trabalhadas e sabiamente combinadas.
Eis o característico notável da música de F. Braga: harmonia rica, brilhante; melodia sóbria, leve, tímida, sem arroubos, perfeitamente ao gosto da escola francesa.
Os seus motivos, alguns perfeitamente achados, iniciam-se, palpitam um instante, mas não se desdobram, não se definem, formando uma melodia distinta, destas que ficam vibrando em todos os ouvidos e cantando em todas as bocas.
Francisco Braga, parece-me, nunca será um compositor popular, o que é talvez uma qualidade de primeira ordem. A sua técnica rigorosa, o seu desenho orquestral filigranado, as suas melodias que nos acariciam deliciosamente, sem nos tocar com arrebatamento, agradarão sempre, somente, à restrita massa dos intelectuais, dilettanti e profissionais.
É talvez mais sinfonista que operista, o que só em subsequentes provas se poderá discernir. Mas não só ao talentoso autor de Jupira, como ao magistral harmonista de Marabá e Episódio sinfônico, saudamos mais uma vez como um formoso talento musical que se evidencia, à força de extraordinária cultura, e honrará a pátria, mesmo quando os ecos das aclamações de estímulo se tiverem dissipado e olvidado.