Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. I, p.242. Publicada, originalmente, na revista Careta, de 2/10/1915 e, posteriormente, no livro Coisas do reino de Jambon, Brasiliense, 1956, p.99.

O Dicionário dos Contemporâneos Brasileiros, ultimamente publicado, traz o seguinte artigo:

Melaço (Augusto Rapa Leitão Assado). Senador, estadista de largo descortino triangular e funerário. Os seus processos eleitorais eram os seguintes: nas vésperas de eleições, corria aos cemitérios e, por processos mágicos, desenterrava os defuntos e os fazia votar. Como ele dispunha de poderes de nigromantes, Rapa conseguia que os mortos lhe obedecessem cegamente e sufragassem os seus candidatos.

Estes eram quase sempre homens medíocres ou de tal subserviência espiritual que seriam capazes de, a um aceno dele, dizer que o branco era preto e o preto era branco.

Demais, no seu sítio ou fazenda, nas proximidades do Rio de Janeiro, ele criava mosquitos.

O motivo disto é simples. Como toda a gente sabe, os mosquitos têm a propriedade de propagar as moléstias infecciosas de modo que ele, precisando de mortos, muito naturalmente queria o aumento dos mosquitos.

Muitas das suas frases e opiniões ficaram célebres. Conta-se dele a seguinte anedota. Passeava ele e um amigo em Copacabana, quando veio este a perguntar:

— Rapa, por que o mar é salgado?

Melaço pensou um pouco e respondeu categoricamente:

— É simples. Os bacalhaus são numerosos e são salgados, salgam, portanto, o mar.

Ultimamente Rapa afirmou que não quer saber mais de defuntos; que não apela eleitoralmente para os cemitérios, etc., etc.

Causou admiração tal fato, à vista dos precedentes. Pode ser que seja verdade, porque o diabo depois de velho, lá diz o rifão, fez-se ermitão.

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