Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. I, p.241. Publicada, originalmente, na revista [Careta], de 2/10/1915 e, posteriormente, no livro Marginália,  Mérito, 1953p. 245.

Assim que Irene soube que a sua amiga Inês se havia casado, imaginou logo que o tivesse feito com um grande poeta, uma jovem notabilidade.

Irene estava em Paris há muitos anos e raramente se correspondia com sua amiga, de forma que não podia fazer um juízo certo de quem fosse o marido de Inês.

Entretanto, sabia aquela das ideias de casamento de sua antiga colega.

No colégio em que ambas cursaram, quando tratavam desse assunto palpitante para o coração das moças – o casamento – era hábito de Inês dizer à amiga:

– Eu me hei de casar com um grande poeta.

Ao que a amiga respondia:

– Esta gente não serve para marido; são estroinas, volúveis...

– Qual! Nem todos... E mesmo que assim seja, eu quero que o meu nome corra mundo junto ao nome do meu marido...

Moça feita, Inês sempre se interessou por essas coisas de letras e seguia todos os poetas que surgiam, com vagar, ardor e uma ingênua admiração.

Conferência deste ou daquele não era anunciada que lá não estivesse; aos salões da literatura elegante e decorativa, estava sempre presente.

Muitos esperaram dela uma literata e houve um ironista que a crismou mesmo de próxima futura poetisa ou... romancista.

Tudo isto fez ver à sua amiga Irene que ela se houvesse casado com um jovem poeta de grande talento.

Aconteceu que o marido desta última, com medo dos azares da guerra, deixasse a sua residência em Paris e viesse para o Rio.

Logo que as duas se avistaram, Irene imediatamente perguntou pressurosa:

– Já vi que o teu marido é um grande poeta.

– Não; é campeão do football.

lima-barreto