Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. I, p.241. Publicada, originalmente, na revista [Careta ], de 30/10/1915 e, posteriormente, no livro Marginália, Mérito, 1953, p. 247.
Desde muito que várias personalidades da República, próceres de vários partidos e facções que se propunham salvar a pátria, mediante medidas inócuas ou simplórios cortes sistemáticos na arraia-miúda; desde muito, dizíamos, que várias personalidades se reuniam para resolver o problema da verdade eleitoral.
A comissão, como fazia há seis anos, se congregou naquela tarde para apresentar ideias tendentes a obter da exata manifestação das urnas a legítima representação nacional.
O senador Brederodes apresentou as suas ideias, o seu colega Marcondes as suas opiniões; Machado Malagueta aventou alguma coisa; enfim toda a comissão trabalhou a valer e os alvitres mais sutis, mais severos, mais saudáveis, foram sugeridos para que a fraude fosse evitada nas eleições federais.
Despediram-se amáveis, sorridentes. E, ao famoso “secretário” da comissão, o oficial da Secretaria do Senado, Raide, pareceu que, daquela confabulação, ia sair obra de grande valia e alcance.
O seu desgosto, ao supor isto, era de não poder ele também assinar o projeto. Seria a imortalidade...
Brederodes, que era econômico, desceu a pé até às ruas centrais. Atravessou o Campo de Santana apreensivo.
Chegou à chapelaria Watson e encontrou logo o seu adepto Fulgêncio, deputado desconhecido.
Falou-lhe este com todo o respeito devido ao chefe supremo do seu partido.
– Como vai Vossa Excelência?
– Não estou bom hoje, Fulgêncio.
– Por quê?
– Aborreci-me no Senado, na reunião da comissão.
– Que houve?
– Escuta aqui.
E trouxe o seu assecla para um canto.
– Aquele canalha do Malagueta parece que anda de mãos dadas com o Dourado e os meus adversários no estado.
– Por quê?
– Não é que ele propôs que, na reforma eleitoral a fazer-se, não houvesse voto cumulativo? Estou derrotado...
Enquanto isso se passava, Malagueta, que viera de bonde, já se havia encontrado com a mulher e as filhas em uma confeitaria. Uma destas lhe disse:
– Papai parece que está contrariado.
– Pudera!
– Que houve, Chico? – perguntou-lhe a mulher.
– O tratante do Marcondes propôs na comissão que só houvesse um deputado por distrito e que estes fossem equivalentes ao número de deputados que cada estado dá.
– Que tem?
– Que tem? É que não faço nem quatro lá na nossa terra...
Marcondes não ouviu certamente o tratamento que lhe deu o seu amável colega, mesmo porque ele tinha corrido do Senado para a casa de uma adorável criatura, a Manon, francesa nascida nos arredores de Varsóvia.
– Marcondes não está bom hoje – disse-lhe esta.
– É verdade. O patife do Brederodes propôs medidas que acabam com as atas falsas nas eleições.
– Que tem isso?
– É que, se eu assinar o projeto, o Juca, o chefão, não me reelege.
O projeto, como era de esperar, não foi apresentado ao plenário e a comissão ainda estuda os meios eficazes de acabar com a fraude eleitoral.