Nasceu um brasileiro. Não é um brasileiro novinho, zero quilômetro; já tem, na verdade, 50 anos de uso, mas em excelente estado de funcionamento.
Hector Bernabó, mais conhecido pelo pseudônimo artístico de Carybé, natural da província de Buenos Aires, filho de pai italiano e mãe brasileira, desenhista de sua profissão, morador na Bahia de Todos os Santos, acaba de se naturalizar brasileiro.
Tendo passado a primeira infância na Itália e a adolescência no Rio, Carybé se fez homem e viveu anos e anos na Argentina, mas já era brasileiro muito antes de o Ministro da Justiça concordar com isso. Sua grande fascinação é a Bahia; ali vive há muitos anos, ali está construindo uma casa, e ali sua mulher teve uma filha. "Sou pai de uma baiana!" — me escreveu ele, maravilhado, quando a bichinha nasceu. Está vivo que ele se naturalizou brasileiro simplesmente porque não existe, formalmente, uma nacionalidade baiana.
Tenho orgulho em dizer que a Bahia me deve um pouco esse baiano, que é o mais baiano que tem. Carybé vivia em Buenos Aires sonhando em viver na Bahia. Mas como, com que dinheiro? Além do mais o solteirão se casara, tinha um filho batizado por Newton Freitas; não podia mais fazer suas viagens vagabundas de antigamente, era um senhor de responsabilidade. E não conhecia ninguém na Bahia. Tive uma ideia: mandei uma carta para Anísio Teixeira, que era secretário de Educação de Otávio Mangabeira, e lhe pedi um absurdo: que nomeasse professor de desenho na Bahia o cidadão argentino Hector Bernabó. Eu não remetia nenhuma obra de Carybé, nem sabia de nenhum título oficial que ele pudesse apresentar. Reconhecia que estava pedindo uma coisa que podia parecer odiosa e que a oposição poderia explorar perfeitamente: nomear para um cargo um estrangeiro, quando havia muitos baianos capazes de ocupá-lo. Era, quem sabe, tirar o pão da boca de um artista nacional... Mas pedi a Anísio que tivesse fé em mim, que tirasse o pão da boca de um artista nacional, que fizesse a coisa odiosa; e ele fez: nomeou o desconhecido Hector Bernabó e ficou à espera de que o gringo aparecesse.
Quem conhece os Cadernos da Bahia ilustrados por Carybé sente o que senti na última vez que estive em Salvador: Carybé não se inspira na Bahia, parece que a Bahia é que se inspira em Carybé. De repente a gente vê um negro de camiseta branca ou uma baiana de saia rodada, ou um sobradinho de telhado escuro "imitando" os desenhos de Carybé.
Hoje ninguém canta e dança capoeira ou samba de roda melhor do que o meu gringo; ele pode dar aulas de Bahia a Caymmi e Jorge Amado. E da alta roda até gente mais humilde todo mundo conhece e ama Carybé, e quase ninguém sequer imagina que ele já foi gringo e se chamou Hector Bernabó. Nasceu um grande brasileiro, e eu e Anísio Teixeira nos sentimos, nesse momento, profundamente emocionados, um pouco pais da criança.