Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 3/06/1970.

Para nós, brasileiros, começa hoje à tarde o Campeonato Mundial de Futebol. Embora o governo se tenha esforçado por esclarecer as grandes massas sobre o significado dessa competição, uma recente pesquisa demonstrou que nove, em dez pessoas — sem consideração de sexo, idade ou classe social — ainda se acham na mais completa ignorância no que diz respeito às regras do jogo, número de atletas indispensáveis à boa prática do esporte bretão, utilidade do juiz e dos bandeirinhas, e assim por diante.

Pensando nesses pobres de espírito, decidimos divulgar o Pequeno manual do perfeito torcedor, o qual já recebeu o imprimátur do Ministério da Educação — tendo sido, além disso, recomendado pelo sr. Edson Arantes do Nascimento com as seguintes palavras: “O pequeno manual abriu novas perspectivas para a minha carreira”.

 

CONHECIMENTOS BÁSICOS

Futebol — do Latim fute (pé) e bol (bola). Ainda hoje, os puristas preferem a forma clássica: em vez de Campeonato Mundial de Futebol, escrevem Campeonato Mundial de Pebola. Embora dele participem numerosos pernas-de-pau, e dois ou três quadrúpedes, o futebol deve ser preferivelmente jogado por bípedes implumes. No decorrer de cada partida, esses atletas devem chutar vigorosamente qualquer coisa redonda que encontrem pela frente. Quando coincidir que a coisa redonda seja uma bola de couro, teremos o futebol propriamente dito.

Bola de couro — Esfera inflada artificialmente. Também chamada pelota. Quando recebe um chute, tem o dom de se dirigir aos lugares mais inusitados. Geralmente bate na cabeça do fotógrafo que está sentado ao pé da trave. Sem bola não há futebol; mas sem futebol pode haver bola.

Time — Parece nome de revista americana, mas não é. O time é uma formação de 11 atletas, cada qual equipado com camisa, calção, chuteiras e meias. Se a camisa for amarela, teremos um time do Brasil. Se for preta e branca, será um time do Botafogo, quem sabe do Vasco; se for rubro-negra, chamar-se-lhe-a Clube de Regatas Flamengo. Donde se conclui que estamos lidando com um esporte muito convencional.

Gol — É quando a bola entra nas traves e bate na rede. Muito útil para quem gosta de palavras cruzadas, pois quando deparamos com uma palavra de três letras, significando “o objetivo no futebol”, só pode ser gol. Quase sempre, quando nenhuma das equipes faz gol, a partida termina zero a zero. A isto se chama empate e foi o que aconteceu domingo entre o México e a Rússia. Mas estarão redondamente enganados aqueles que imaginarem que todo empate tem que ser zero a zero. Querem uma prova? O Fla-Flu de domingo terminou um a um e nem por isso deixou de ser um autêntico empate. São os mistérios do futebol.

Negra — Suponhamos que o Flamengo joga com o Teresa e ganha. E em seguida o Teresa joga com o Flamengo e ganha. Marcada uma terceira partida entre o Flamengo e o Teresa, esta será a negra. Isto, aliás, está mais do que explicado num samba de Jorge Ben, que diz assim: “Sou Flamengo e tenho uma negra chamada Teresa”.

Cleptomania — Compulsão experimentada por pessoas bem-sucedidas na vida. A pessoa que sofre desse distúrbio psicológico não pode ver uma pulseira sem sentir o desejo de furtá-la. Logo, Bobby Moore é um cleptomaníaco. Se os fados quiserem que o Brasil enfrente a Inglaterra, teremos que trocar Zagalo por um psiquiatra, pois de outra forma o Bobby Moore é bem capaz de roubar a bola.

Seleção brasileira — Depois de muitos meses, está finalmente formada e hoje à tarde enfrenta a equipe da Tchecoslováquia. O goleiro é Félix — um senhor de idade, que sabe segurar a bola com as duas mãos. Se a bola passar pelos três armadores e pelos quatro zagueiros, caberá a ele segurá-la. Em caso de pênalti contra nós, o melhor método é ainda fechar os olhos ou desligar a televisão. — Carlos Alberto, Brito, Piazza e Marco Antônio. Se um perde a bola, os três outros tentam recuperá-la. Se mesmo assim a bola continua indo em direção ao nosso gol, o jeito é rezar para que bata na trave. —  Clodoaldo, Gérson e Rivelino. São os armadores da equipe. Distribuem bolas para os atacantes, que são três: Jairzinho, Pelé e Tostão. O campo de visão desse trio final não poderia ser mais reduzido: Jairzinho joga de cabeça baixa, Pelé sofre de miopia e Tostão veio de um descolamento na retina. Mas não nos assustemos, pois eles vão ficar sempre pertinho do gol adversário. Se os tchecos bobearem, a bola entra.

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