Fonte: Vento vadio: as crônicas de Antônio Maria. Pesquisa, organização e introdução de Guilherme Tauil,Todavia, 2021, pp. 290-291. Publicada, originalmente, em O Jornal, de 01/10/1964.

Alguém disse um desaforo à velha senhora e ela, virando-se, achou que tinha sido eu. Disse-me um palavrão. Depois, como eu lhe sorrisse, fez-me um gesto vegetal. Não satisfeita, porque baixei os olhos, cuspiu no chão.

Dizem que os jovens andam terríveis, mas não é verdade. Os velhos de hoje é que estão precisando de atenções. Da polícia, do clero e dos magistrados. 

Se pudesse aqui reproduzir o palavrão que a velhinha me disse, vocês cairiam para trás. Não foi aquele que evoca o ser materno, nem aquele que atinge a provável esposa, nem o outro, o mais banal, que nega a nossa tão propalada masculinidade. Foi um pior, requintado, que só diz quem é da barra pesada e está a fim de briga. E dizia-o uma velhinha de vestido preto, gola e punhos rendados (juro), com seu Adoremus na mão, a caminho da missa. Onde aquela santa senhora teria aprendido tal palavra? Quem sabe praticando o tresloucamento que ela encerra? Tesconjuro, velhinha! Que a Santa Missa lhe purifique a boca.

Meia hora depois, na avenida Atlântica, fechei (sem querer) um Karmann-Ghia e a moça que o dirigia calcou o acelerador até emparelhar comigo. “Lá vem a má palavra” (pensei) enquanto abria o vidro para ouvi-la, submisso. E qual não foi a minha surpresa quando a jovem chauffeuse, de longos cabelos saxônicos, me disse, sorrindo:

— Morre, mas não mata!

Só isto. Tão bonita, podia perfeitamente ser desbocada. Além do mais, tinha razão, porque na guinada que deu para livrar-se de mim, quase sobe na calçada. Limitou-se a desejar-me a morte, assim mesmo sorrindo.

Em Ipanema, desci para comprar cigarros. Estava sendo cordialmente atendido quando o dono da casa veio de lá:

— Então, verificou o engano?

Não entendi. Imaginei que se tratava de um leitor referindo-se a alguma crônica em que eu me houvesse desdito ou contradito. Disse um “pois é” que não significava absolutamente nada. O homem insistiu:

— Verificou o engano? Recontou o dinheiro? 

— Mas que dinheiro?

— Não se faça de desentendido. Você não sabe que, hoje de manhã, eu lhe dei um troco de mais?

 — Mas eu não estive aqui de manhã nem nunca.

O lusitano subiu uma oitava, em sua ira:

— Se não quer pagar, não faz mal. Estou acostumado a perder. Mas o senhor bem se lembra que, hoje de manhã, eu lhe dei mil cruzeiros a mais.

— Ah, sim... — respondi-lhe com brandura. Tirei um conto de réis dos meus e lhe entreguei. Pedi desculpas. Tratei de sumir. Foi melhor. Estava com preguiça de discutir e um certo medo de brigar. Palavra de honra.

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