Fonte: Crônicas: 1930-1934,  de Carlos Drummond de Andrade, Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais-Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, 1987.

Um cronista que se preza não cuida três vezes do mesmo assunto. Mas às vezes é obrigado a isso. Eu peço perdão por falar novamente nos automáticos. A questão é a seguinte. Às razões já apontadas para se combater esse novo tipo de telefone, acrescentou-se mais uma. A de que o telefone automático estabelece um sistema de controle altamente prejudicial para os maridos, em benefício exclusivo das esposas. Recebi, hoje, uma queixa que era uma reclamação. De meia em meia hora, informaram- me, os telefones das repartições e dos escritórios retinem perguntando pelo sr. X. Querem saber se o sr. X está e, se saiu, para onde foi e quando volta. A voz é de mulher e a curiosidade também. O pobre homem não pode mais distrair-se e, em vez de ir para o trabalho cotidiano, ficar vendo as mulheres que passam, nesse mundo efêmero, pelas calçadas da avenida. A hora do ponto passou a ser marcada, não pelos aparelhos complicados no saguão das secretarias, mas pelo tímpano dos telefones automáticos. A vida ficou mais difícil. As tardes perderam o azul. Os maridos perderam a graça.

Não é possível pôr um paradeiro a esse estado de coisas? Por exemplo: com um artigo no regulamento — “O telefone só poderá ser utilizado para fins úteis. Entre os fins úteis não está compreendido o controle dos maridos”.

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