Fonte: Vento vadio: as crônicas de Antônio Maria. Pesquisa, organização e introdução de Guilherme Tauil,Todavia, 2021, pp. 381-382. Publicada, originalmente, no Diário Carioca, de 21/11/1953.

Poeta, violeiro e pessoa mansa. Dizem que sua presença descansa os outros (devia ser por isso contratado pelo Vasco, para conversar com o time no intervalo entre o primeiro e o segundo tempo). Lamenta não ter se formado em medicina e sabe de todos os remédios para todas as doenças. Pode-se-lhe contar o fato mais escabroso e se lhe fazer a confissão do maior crime dirá sempre que não tem a menor importância. Adora mulher e, convivendo mais de meia hora com qualquer uma, nenhuma terá coragem de Ihe dizer "não" se o poeta pedir alguma coisa. Gosta da noite e prefere assisti-la de olhos abertos. Depois de dormir, porém, não há acontecimento, pessoa, fúria da natureza ou banda de música que o tire da cama. A pessoa homem de quem ele mais gosta e a quem mais admira (sente-se) é Jayme Ovalle. Tratando-se de uma organização intensamente humana, é capaz de todas as fraquezas, de todos os erros, desde que seja mantida, em forma de lealdade, a grande e íntima solidariedade que dedica ao próximo. Quando está sério e assobiando (garante o Braga), alguma coisa deverá acontecer daí a pouco em relação ao estado civil, seu e dos outros. Caminha meio adernado para a direita, com um andar de beque direito reserva. Segundo Tônia Carrero, depois de todos os lances de charme, ainda tira os óculos e mostra olhos verdes. É levemente gago, gaguejando com certo encanto nas três línguas que fala correntemente. Não usa relógio e, mesmo assim, haja o que houver, é incapaz de perguntar que horas são. Acredita nas virtudes humanas que tornam os homens iguais aos deuses. Tomado de amor, é capaz de fazer confissões poderosas como esta: “Amo-te, enfim, com grande liberdade/ Dentro da eternidade e a cada instante”. E, depois, ameaça um vexame desta marca: “E que um dia, em teu corpo, de repente/Hei de morrer de amar mais do que pude”. Hoje, 21 de novembro de 1953, depois de pagar todas as dívidas, seguirá de Augustus para Paris, deixando 32 saudades e 32 pares de lágrimas no cais do Rio de Janeiro.

LADAINHA:

Voz sem discurso
Indício de santidade
São Jorge à paisana
Fado falado (rogai por nós).

antonio-maria