Fonte: Caderno B, coluna "O homem, e a fábula", Jornal do Brasil, de 4/10/1961.

Em Copacabana, há um prédio, de sala, quarto, kitch., como qualquer outro. Alguns moradores, a maioria, são proprietários. A senhora do 704 passou alguns dias sem dormir; finalmente resolveu telefonar para a amiga do 402 e descrever a sua aflição:

— Não sei o que se está passando comigo, minha filha. Imagine que estou com uma insônia que não passa, por causa do diabo de um galo que ouço cantando a noite inteira por aí.

A outra não sugeriu que procurasse um psicanalista, pelo contrário:

— Você também, é? — Disse ela. — Pois olha, eu estava agora mesmo comentando esse galo com a fulana do 208. No prédio não se fala em outra coisa...

Então resolveram localizar o galo. Maria, a pessoa que me contou esta história recebeu um estranho telefonema:

— Dona Maria, aqui é a sua vizinha do 402. A senhora sabe que há um movimento no prédio contra o galo que a senhora está criando aí?

— Hein?

— Pois é. Eu pessoalmente sou contra, mas é que há muita gente que não consegue mais dormir por causa do seu galo. Perguntaram se eu topava assinar um manifesto, e eu disse que sim, mas com a condição de falar primeiro com a senhora.

— Minha filha — disse Maria — estou completamente por fora dessa bronca, tá bem? Se você quer ver se tem galo aqui, pode vir. Só me faltava mais essa, transformar meu apartamento em galinheiro.

A outra pediu desculpas: a suspeita era porque Maria fora a única vizinha a não reclamar. Maria esclareceu: “E eu tenho nada a ver com galos? Na hora de dormir, eu tomo um barbitúrico e não acordo nem se quinhentos galos passarem a noite cantando”.

Maria, mulher curiosa, resolveu aderir à pesquisa. Quando passou pelo apartamento do porteiro, no térreo, ouviu um carcarejo. Chamou o homem:

— Como é que vai o seu galo, Manuel? Você sabia que me passaram um carão por causa dele?

— Galo coisa nenhuma — disse o cínico. — Um franguinho à-toa, dona Maria.

Ela voltou correndo para casa e telefonou a todos os vizinhos, comunicando a espetacular descoberta. Reuniram-se então os condôminos para discutir o fim que se devia dar ao diabo do galo. Alguém sugeriu que se chamasse a polícia. Maria disse: “Já pensaram que coisa ridícula? Chamar a polícia para prender um galo”! Alguém ofereceu um sítio em Jacarepaguá, onde o galo poderia ser criado. O Manuel tinha arranjado aquele galo para comer no seu aniversário, que seria dentro de um mês. Meia hora de discussão não solucionou o impasse. Ficou certo, porém, que o galo não poderia continuar no prédio: Manuel que resolvesse o destino a lhe dar.

Maria comunicou o resultado da reunião ao porteiro, e ofereceu a casa de uma conhecida, na Gávea, com quintal e tudo, para o galo ficar lá. Manuel disse que ia pensar. No dia seguinte, a senhora do 704, aquela que não dormia ouvindo o canto, telefonou para Maria:

— Dona Maria, o problema foi solucionado. Manuel me deu permissão para ensopar o galo sábado que vem (era quinta-feira). A senhora está convidada. 

Quando terminou de contar a história, Maria me olhou com firmeza e disse:

— Esse pessoal não tem mesmo caráter, é ou não é? Você acha que depois da bronca que eu levei e tudo o mais, você acha que eu vou comer esse galo tão contestado? Olhe para a minha cara e veja se eu sou capaz disso.

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