Prossigo as observações sobre o dexamil e a dexedrina, pílulas a que quase todo mundo recorre, hoje em dia, para se sentir feliz neste planeta em que tudo está em crise: a situação internacional, a situação nacional e a situação individual. Só experimentei uma vez a dexedrina, e o efeito me assustou um pouco. Sentia-me como se tivesse crescido repentinamente. Mas não me sentia mais alto (o que, pelo fato de eu ser baixinho, qualquer psicólogo qualificaria como um efeito óbvio); sentia-me esticado dentro do meu reduzido tamanho; meus ombros e minha cabeça pareciam mais altos do que o resto do corpo. Aquilo me cansava e me desagradava, como se eu fosse obrigado a ficar muito tempo na ponta dos pés. Pensava com maior clareza, porém falava mais do que o necessário. A disposição que a pílula me incutira era uma disposição para nada. Mas quem me mandara esperar qualquer coisa de uma pílula? Lembrei-me da irritação que sempre me causou a invenção das flores artificiais e compreendi que, enquanto o efeito da droga não cessasse, eu não seria mais do que um homem de matéria plástica. Doravante —prometi a mim mesmo — se ainda quiser repetir experiências semelhantes, devo procurar remédios radicais. Um amigo meu, que é psicanalista, me convidara para tomar mescalina e descrever os meus delírios. Falamos ligeiramente no assunto, mesmo porque na ocasião ele não possuía mescalina. Agora eu me lembrava disso e prometia a mim mesmo que só me submeteria a experiências com drogas de efeito mais violento, de mescalina para cima. E considerei medíocres os meus amigos que são viciados em dexamil: gostaria de ver a cara deles se soubessem que conheço um rapaz que aos 17 anos encontrou uma senhora, a qual lhe fez um convite que ele não recusou, porque seria a sua iniciação nos mistérios da aliança do homem com a mulher. A senhora levou-o a um apartamento e mergulhou sua jovem cabeça num travesseiro embebido em éter. Esse ritual se repetiu longamente. Dois anos depois, ou três, o rapaz estava no hospício, mas já teve alta e talvez hoje pense com saudade naquela primeira experiência demoníaca.
Se alguém pretende que cada indivíduo tem obrigação de cultivar algum vício, pelo menos deve recomendar que seja um vício dos grandes. Dizem que o brasileiro não tem caráter porque em nosso país não se fazem revoluções sangrentas, e eu acrescento: e também não ousamos encontrar a redenção no pecado. Somos um povo de pecadilhos, fala-se muito da corrupção que se afiança dominar a encantadora Copacabana, porém conheço como ninguém esse bairro, e ali não encontrei nunca um mártir do vício, um bêbedo realmente incurável, uma devassa verdadeiramente crucificada na sua perdição. Tenho, portanto, autoridade para dizer que não apenas nunca haverá no Brasil uma revolução dessas que aparecem nos livros de história, como também são muito poucos os brasileiros que podem aspirar a um lugarzinho no céu — ou no inferno. Vamos todos para o purgatório, que é um lugar entediante, além de eterno, e onde vamos ter de aturar somente pessoas iguais a nós: nem santos nem pecadores, simplesmente humanos. Que país!
Mas vejo que me perdi. Talvez amanhã continue a falar no coração verde.
P.S.: Uma frase escamoteada ao texto de ontem modificou completamente o sentido de algumas informações. A descrição das pílulas é esta: dexamil simples, coração verde; dexamil pansuli (cápsula transparente com bolinhas brancas e verdes); dexedrina, coração amarelo...