Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 31/03/1974.
Menina:
— Acompanhei, dia por dia, a sua infelicidade amorosa. Situação antiga e, de certa forma, banal: homem e mulher, que se amaram perdidamente, já não se entendem; sobrevém a separação; para um deles começa então o sofrimento intolerável. No caso, coube a você a amarga migalha. Seria, como já disse, um acontecimento igual a tantos outros, envolvendo meramente dois indivíduos, circunscritos estes ainda por cima ao velho preceito social de que em briga de marido e mulher ninguém deve se meter. Mas ocorre que você é cronista, você tem no jornal uma coluna onde sua consciência entra como medidora dos sucessos cotidianos. Então, adeus Kissinger, adeus Roberto Carlos, adeus guerrilha cambojana: estou doente de amor e o meu sofrimento é a coisa mais importante do mundo!
Muito bem. Já estive nessa, bem como diversos colegas meus. Porém nunca antes se vira um cronista do sexo feminino descambando para o lirismo despudorado... Por isso me interessei particularmente pelo seu drama. Como se eu fosse aquele desconhecido que nos escreve cartas de solidariedade nos momentos cruciais de nossas vidas. Pensei: “Coitadinha. Ela não se conforma com a separação”. E você veio fornecendo, dia por dia, os sinais de sua revolta — contra o quê? Pensei: “Os desiludidos do amor já não desferem tiros no peito, eles fazem sonoterapia” ... Melhor: assim ao menos a gente sobrevive. Pensei também que estranho oficio é esse nosso, pois nos obriga a colocar o coração na mesa, sem alternativa. A cidade, ávida, numerosa, devora, devora tanto o terremoto no Alasca como o queixume do artista solitário. Pensando bem, é tudo a mesma coisa. E de qualquer modo, lá no fundo, brilha a nossa desonestidade — com aquele formoso brilho do masoquismo profissionalizado...
Quando vi você — se lembra? — no carnaval, lá em Ipanema, tão carente de carinho, tão necessitada de ser boazinha com todo mundo, eu não sabia que as coisas andavam tão dramáticas para o seu lado. Assim, fico um pouco triste comigo mesmo, por não ter aproveitado aquela bela ocasião de me mostrar compreensivo e paternal...
Quando eu era jovem, só me aproximava de mulheres pérfidas — ficando assim seguro de que, quando me magoassem, eu poderia escrever uma porção de sonetos. Atualmente os meus assuntos se mostram ao mesmo tempo mais largos e mais reduzidos. A parte do meu cérebro encarregada de armazenar desilusões (o coração, este, é oco por natureza) já está toda juncada de flores murchas, como o chão dos bosques bravios. Quero só as emoções ferozes, a tensão da flecha quando se turge no arco — aquele instante em que ela, perfeitamente imóvel, já alvejou a maçã.
Isso nós conquistamos com o tempo. E se torna tão bonito lembrar todas aquelas pessoas que nos fizeram sofrer e que nós ferimos... Espero por você, então, nesta curva do caminho.