Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 21/01/1974.

Rio das Ostras: amendoeiras, casuarinas e bangalôs. As praias são mansas e nelas se banham essas menininhas que florescem creio que ao longo de todo o litoral brasileiro, pois tenho visto iguais em dezenas de recantos turísticos. E não ficam monótonas... Bem, penso que está na hora de esclarecer que as menininhas formam um espetáculo que me agrada contemplar; quando se trata de transar para valer, prefiro as mulheres de 28, 30 anos. De alguma forma bastante sutil, sou no fundo um pai solteiro.

Ao meio-dia desce o silêncio da sesta. Crianças passam montando cavalos, como antecipando um futuro sem petróleo. Temos redes e muita preguiça. Nossos relógios não funcionam. Na enseada junto do cemitério, os barcos de pesca balouçam sonolentos. Aqui se bebe uma cachaça tremendamente má, porém com açúcar e limão. Passa um homem cuja cabeça não me é estranha: Tim, treinador de futebol.

Isso, no sábado — com sol, depois chuvarada e finalmente céu nublado. Comemos bobó de camarão num restaurante rústico. Cidade boa para andar de bicicleta e de charrete. Ninguém frequenta a praça que, no entanto, está ali, junto da boate enfumaçada e da churrascaria cujo forte são as massas italianas. No Bistrô, um restaurante afrancesado, rústico e ao mesmo tempo sofisticado, servem-nos uma sensacional batida de maracujá. Dizem que alguns tripulantes da Air France conhecem do Rio (o Grande Rio, bem entendido) apenas o Galeão e Rio das Ostras. Somos três pessoas e almoçamos com vista para uma velha locomotiva. A nota está aqui: “Patê — 15; três peixes fritos com batatas cozidas e arroz de forno — 81: uma omelete (sobremesa) — 15; nove batidas — 36; uma água mineral — dois; uma garrafa de vinho branco, Village — 25; dois stregas — 16: Total: Cr$ 190,00”. Ambiente agradável, garçons inteligentes e uma freguesia ruidosa (muitas crianças) às três horas da tarde de uma quarta-feira.

Antes disso, no domingo, fomos a Búzios, onde fica a pousada de Carlos Henrique Amaral Peixoto, pintor primitivo, membro da ala dos artistas do Salgueiro e boêmio de Ipanema. A nesga de mar que se tem de sua varanda vale, no câmbio atual, seguramente 320 dólares. Você tem que ir lá para ver onde é que fica o paraíso. O pernoite de casal me parece salgado: Cr$ 150,00, com serviços sem grande requinte. O restaurante funciona à moda da terra, com duas senhoras agradáveis. O almoço, por exemplo, é feito na hora e tem a duração de quatro batidas de limão. Duas pessoas comem por Cr$ 150,00: camarão, peixe frito com batatas cozidas, arroz, vinho ordinário e um horripilante licor de café que é produzido lá mesmo em Búzios. Mas a paisagem, amigos, aquele mar batido de um vento multidirecional, com aquele céu gigantesco, e as ilhas, e os barcos balouçantes, essa paisagem eu já aumentei o preço: está valendo agora 342 dólares, o que trocado em miúdos dá uma pequena fortuna. Carlos Henrique não leva a sua pousada muito a sério, mas o fato é que está com os apartamentos reservados por todo o verão.

De noite, Búzios, esse lugarejo escuro, com seus vultos esguios, com sua poderosa sexualidade que parece emanar da própria noite, clama pelo escritor que fundará seu mito, sua Justine. São os dois lugares mais misteriosos que já vi: Amsterdã (também durante a noite) e Búzios. Só que em Amsterdã você pressente o estrangulador, enquanto em Búzios quem te persegue é a ninfomaníaca de cabelos encaracolados.

jose-carlos-oliveira