Vou pregar um logro ao leitor, tanto mais de envergonhar quanto que o aviso desde princípio.
Era uma vez um rei... Assim começam as histórias que eu ouvia em criança; mais tarde, ouvi outras; mas as primeiras acho que eram ainda as melhores. Quem é que dizia, já varão feito, que teria muito prazer se lhe contassem a história da Pele de burro? Creio que era La Fontaine. A que lhes vou narrar é, pouco mais ou menos, a mesma aventura.
Repito: era uma vez um rei, o qual governava por seus ministros. Os ministros, que não trabalhavam para o bispo, mas para o rei, tinham o seu ordenado, que o Tesouro lhes pagava pontualmente, como todos os tesouros dignos de um tal ofício.
Um dos ministros, recebendo um dia o subsídio, em vez de o guardar na algibeira, ou de o levar para casa, meteu-o no chapéu. Já o leitor adivinha que o dinheiro não era em ouro, mas em papel, três, quatro ou cinco notas grandes.
Posto assim o dinheiro no chapéu, e o chapéu na cabeça, o ministro, que gostava de teatro, foi à noite ao teatro. Digo que gostava, e pode ser que a expressão seja frouxa. Parece que era paixão, e de tal ordem, que ele não viu nada mais que o espetáculo. Tanto não viu, que no fim, indo retirar-se para casa, não encontrou chapéu, nem dinheiro. Não descrevo o espanto do ministro: toda a gente o imaginará. Digo só que, como era também filósofo, provavelmente não se demorou muito em lastimar o caso sem remédio, e cuidou de ir meter-se na cama.
O pior é que era preciso dinheiro para comer no dia seguinte, e o ministro achou-se, de manhã, sem chapéu, sem ordenado e sem almoço.
Pode-se governar um país sem almoço; mas há de ser com a condição de jantar, ou cear, pelo menos; e ao nosso ministro não lhe ficara sequer para a merenda. Felizmente, tinha em casa um sobrinho, que lhe acudiu com alguma coisa para as primeiras despesas.
De noite, em conselho no Paço, contou o ministro roubado o caso da véspera, ao imperador... Imperador? Está dito: imperador.
— Mas então sem nada? — perguntou sua majestade.
— Sem nada — respondeu singelamente o ministro.
Sua majestade considerou um pouco. Tratava-se de um alto funcionário, membro do governo, com família e pobre; e as virtudes e os talentos do ministro pareceram-lhe merecer alguma coisa mais do que pêsames. Voltou-se para o ministro da Fazenda, e disse-lhe que, visto o caso excepcional e as circunstâncias, parecia acertado mandar dar no dia seguinte ao seu colega outro mês de ordenado. O ministro da Fazenda, com muito boas palavras, disse respeitosamente ao príncipe que não podia cumprir a ordem.
— Não posso — disse o ministro (e aqui a resposta é textual) —; não há lei que ponha a cargo do Estado os descuidos dos funcionários públicos. O ano tem 12 meses para todos, não há de ter 13 para os protegidos. Eu dividirei com ele o meu ordenado, e viveremos com muito mais parcimônia; é melhor que dar ao país o funesto exemplo de se pagar duas vezes à mesma pessoa o ordenado de um mês.
Sua majestade concordou plenamente com essa resposta; e tanto que o ministro roubado não recebeu mais nada, e o da Fazenda é que lhe deu metade do subsídio, e assim viveram ambos, apertadamente, os 30 dias. Não consta que o primeiro-ministro tornasse a pôr o dinheiro no chapéu, nem a ir com ele, assim posto, ao teatro.
Há aqui duas pequenas empulhações ao leitor. A primeira é que ele esperava um mexerico político, e sai-lhe uma anedota sem pimenta. A segunda é que ele cuida ver o nome de algum compadre ou do vizinho fronteiro; e vai ficar com água na boca, porque a coisa deu-se há mais de 60 anos. O ministro que perdeu o dinheiro, foi nada menos que José Bonifácio; o da Fazenda era seu irmão Martim Francisco. O sobrinho que supriu as despesas chamava-se Belchior Fernandes Pinheiro. A anedota, posto que velha, só agora foi divulgada, nas Memórias de Drummond.
Confesso que lhe falta um certo pico; mas nem sempre a quente especiaria, alguma vez o arroz de água e sal, uma história da carocha; porque eu sou como La Fontaine.
Si Peau-d’âne m’était conté,
J’y prendrai un plaisir extrême.