Fonte: Caderno B, coluna "O homem e a fábula", Jornal do Brasil, de 11/01/1963.

Na redação do Diário de Notícias, há dois anos, fui chamado ao telefone às 23 horas. Uma voz de mulher que julguei reconhecer.

— José Carlos?

— Ele mesmo. Você está boa?

— Mais ou menos. Estou aqui na portaria do jornal. Será que você podia descer um instante?

Nesse momento, percebi que a voz não pertencia a quem eu pensava, e perguntei:

— Quem está falando?

— Ora, você sabe.

— Palavra de honra que não sei.

— Ora, José Carlos.

Quem seria? A voz indicava aflição.

— Ouça, eu estou falando a verdade — insisti. — Não sei quem é você. Talvez você esteja à procura de outra pessoa com o meu nome.

— José Carlos, preciso que você desça até aqui. Eu não pude entrar em casa e quero que você me dê a sua chave para eu ir para lá.

A coisa já estava ficando penosa. A mulher parecia desesperada. Tive medo de descer, embora nada tivesse na consciência que pudesse ser tido como culpa em relação a alguma mulher.

— Minha senhora — falei — eu vou desligar. Eu não sou a pessoa que a senhora está procurando.

— Por favor, José Carlos, não me faça uma coisa dessas...

Desliguei. Fiquei alguns minutos sem saber o que fazer. Descrevi o telefonema a um companheiro e pedi que me aconselhasse. “Que coisa estranha!”, disse ele apenas. Mais alguns minutos de hesitação e resolvi descer. Chegando ao térreo, encontrei apenas o porteiro, junto ao telefone pelo qual ela se comunicara comigo.

— Cadê aquela mulher que me telefonou? — perguntei.

— Ela saiu daqui correndo e chorando.

Por minha vez saí correndo para a rua deserta e procurei-a em todas as direções. Inutilmente. E até hoje não compreendi o que se passou naquela noite.

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