Fonte: Caderno B, coluna "O homem e a fábula", Jornal do Brasil, de 6/11/1962.

Todos os meus amigos já se casaram, e eu fiquei para titio. De vez em quando me dizem: “O que você precisa é de casamento, rapaz. Você não sabe o que é bom”. Não digo nada — mesmo porque não compreenderiam. Acontece que para casar é preciso ficar noivo, e só acredito em noivado à moda antiga. Em Cordovil, provavelmente, as coisas ainda hoje se passam como outrora; mas não irei jamais a Cordovil.

Ah! Que lindos momentos me aguardariam em Cordovil! Para começar, haveria uma varanda. Em três degraus de madeira ficaríamos, sentados, sobre lenços brancos, enquanto as constelações murmurassem sobre o nosso amor. “O meu enxoval está quase pronto”, diria ela. A peça mais atraente do enxoval seria um guardanapo de cozinha no qual ela havia bordado um coelhinho de lã azul, sentado num banquinho de lã vermelha, e rodeado pela palavra esperança em lã verde. Eu, por minha parte, já teria alugado uma pequena casa cor-de-rosa, na rua mais sossegada, para onde seguiríamos depois do enlace na igrejinha branca.

Beijinhos no portão; refresco de groselha na pracinha, aos domingos; passeios de mãos dadas; o noivo de terno branco e cabelos glostorados, a noiva de saia rodada e sapatinhos sem alça. Aqui está a opinião da minha sogra a meu respeito:

— É um rapaz direito, trabalhador... Arrimo de família... Não bebe, fuma muito pouco... Me trata com a maior cortesia... Uma verdadeira dama...

No meu lar, metodicamente organizado, haveria guarda-louças cheios de taças e cálices que jamais seriam usados; uma toalha de renda losangular para forrar a mesa de peroba; jarros com flores artificiais; uma estatueta do Gordo e o Magro, uma placa de madeira com a inscrição “Deus esteja nesta casa”, uma folhinha com uma paisagem de neve sob o luar branco da Suíça...

Cordovil! Felicidade! Eis o futuro que eu escolheria, se tivesse nascido simples; mas não nasci.

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