Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 8/11/1972.
Era um grupo sereno: Cacá Diegues, Nara Leão, Zezé Garrido, Nei Sroulevitch, Marieta Severo, Chico Buarque e Samuel Wainer. Mas a estrela da reunião, para quem se voltavam todas as atenções, era Jeanne Moreau. Pude, assim, observá-la sem constrangê-la, nem me sentir embaraçado. Primeiro, o rosto, belo e expressivo como no cinema, de pele fresca e dotado de ligeira imperfeição na boca carnuda — uma imperfeição formosa. Em seguida, a voz: a voz de Jeanne é cristalina, calma, com música própria. Através de sua blusa displicentemente desabotoada em algumas casas, entrevi uma nesga daqueles seios que ela tornou célebres, ao desnudá-los em longa cena do filme Les amants.
Sobre sua personalidade, basta recordar o que se passou entre ela e Cacá Diegues. Jeanne é um monstro sagrado da tela, uma das maiores atrizes da atualidade. Cacá Diegues é um jovem cineasta brasileiro, conhecido e admirado internacionalmente, mas, devido às características de produção do Cinema Novo, muitas vezes se vê forçado a trabalhar em nível artesanal. Pois bem, Cacá tinha um projeto insensato ou maravilhosamente impossível: dirigir Jeanne num filme passado no Brasil. Nei sugeriu: “Você devia informá-la sobre isso. Afinal de contas, não custa nada. O máximo que ela pode dizer é não”.
O argumento foi enviado à atriz. Imediatamente, por telegrama, ela anunciou que estava bastante interessada na história (Imaginem a emoção do cineasta ao receber tal mensagem...).
Logo, Nei e Cacá seguiram ao encontro dela, em Paris. Foram recebidos com um jantar num dos ambientes mais sofisticados da França. E agora eis Joana, a francesa, sentada diante de nós, no Leblon. Sabendo que tenho paixão por ela, tendo sido inclusive o fundador da Joanalogia, ciência que investiga uma sequência infindável de jeux de mots inspirados por ela, Chico Buarque tramou esta conspiração carinhosa. Apareceu sozinho e me falou misterioso: “Fique aí. Não saia daí. Eu já volto”. Alguns minutos depois, apresentava-me a musa.
Mas Chico e seus companheiros vinham preocupados. Como não sou muito chegado às questões de etiqueta, eles temiam que me mostrasse excessivamente entusiasmado. Lembravam-se certamente daquela ocasião em que adormeci no ombro de Romy Schneider. Por isso, Zezé Garrido ficou sentada entre mim e Joana, e a todo instante dizia: “Calma. Não se exceda”.
Preocupação inútil. Com Joana eu jamais faria algo errado. Sinto-me feliz por ter ela desprezado fortunas para vir filmar no Brasil, sob direção de um brasileiro, contracenando com atores brasileiros. Fiquei quietinho a noite inteira. Ela merece.