De cima desta janela da rua República do Peru, a observadora de tardes e manhãs reparou que a primavera não era uma ficção do calendário deste nosso tempo sem tempo, estagnado e apenas travestido em estações pelos figurinos. As amendoeiras de minha rua mostraram o inverno ainda mesmo quando o sol rompia por Copacabana e banhistas sem conta atulhavam a praia. Envelheceram amarelentas, tornaram-se quase esqueléticas e negras. E, agora, a chuva maciça que cai, enquanto escrevo, mostra uma festa de folhas novas, vivas, bulindo sob a porção de água e brilhando acima dos guarda-chuvas e sombrinhas. A natureza de nossa rua fez a primavera em que tantas pessoas não acreditam, neste Rio de verde cansativo. Se a primavera habita as minhas árvores tão pensadas, da rua República do Peru, por onde andará ela no coração das mulheres? Creio já ter descoberto. Vi, justo agora, passar uma mocinha límpida e lavada de gotas de chuva, que abria sorriso muito lento e doce. Ela acabava – estava claro – de ver o namorado e atravessava a rua com um clarão de quente alegria. Mais além, um pouco lerda, a mulher grávida encobre a face pelas folhas da amendoeira copada. Só seu corpo se desenha numa curva farta, desvendando difícil os pés gordinhos. A mulher carrega pela rua alguém tão importante quanto esta estação despercebida – a primavera que só alguns pressentem. Mais adiante, a jovem que voltou do almoço retoma o lugar no balcão e, antes de entrar na loja, eleva a mãozinha ajeitando o cabelo umedecido, como um pássaro esticando uma asa. Que tem esta moça no gesto tão gentil a oferecer de primavera? Visivelmente, ela está enfrentando o seu dia com uma disposição amanhecente: ela tem planos, a mocinha.
É a pausa antes do fim do ano, a pausa da primavera. Muitas coisas vão acontecer na vida das criaturas. As mulheres sabem que há mudanças próximas em suas existências. Umas casarão, outras enfrentarão um trabalho novo com disposição nova; mãos ágeis terão no colo pequenos pedaços que significarão a cobertura de novas vidas. Como se as mulheres também criassem folhas e que elas, só elas, fossem parte desta primavera recusada de todos nós. A minha mensagem vai para o íntimo das mulheres; para o sorriso da moça que viu o namorado, o caminhar da mulher que espera o filho, o gesto da criatura que levanta o rosto para um outro dia, numa outra primavera que começa. Eu estou com elas. Estou com o novo dia, com as folhas novas, com os seres amanhecentes e os abençoo em comunhão de fé.