Fonte: Café da manhã, Olivé, [1969], pp. 284-285.

Há alguns dias assisti a um programa de televisão que me tocou profundamente no ponto sensível ― aquele canto em que os problemas humanos acordam em nós o apelo de fraternidade impossível de corresponder. A televisão italiana fazia uma reportagem, com vários prefeitos do interior da Itália, sobre os ciganos.

Nada menos de cem mil ciganos habitam o país. Todos os síndacos, isto é, os prefeitos, mantinham acirrada campanha contra esses pobres nômades que, vez por outra, vemos passar, com seus singulares carroções, suas crianças sujas, suas mulheres aptas a ler a buena-dicha, sua milenar pobreza, enfim. Os síndacos desejam expulsar os ciganos de suas comarcas, porque os moradores reclamam: acampavam em terrenos de propriedade alheia, sujavam ruas e praças, “ofendiam”, segundo afirmavam, “os moradores com suas reações inesperadas e explosivas”; além do mais, a eterna queixa: furtos.

Enquanto falavam os prefeitos de várias e longínquas localidades, víamos no fundo do painel a agitação dos ciganos: as mulheres lavando roupas nas tinas, cozinhando ao ar livre, os homens dando de comer aos cavalos. Tudo parecia fixo num tempo sem tempo algum. Mas, depois desta série de acusações a esses maltrapilhos, tristíssimos ciganos, houve uma luz de boa vontade no mundo que tanto clama contra o racismo, mas onde se inscrevem tantos racistas que se desconhecem, na própria consciência de como é tratado o problema dos ciganos.

Uma professorinha italiana, especializada na psicologia dos meninos ciganos, bem se referiu a este povo com uma profunda e compreensiva sinceridade: “Eles vivem em insegurança porque não têm História. Não têm nem ontem, nem amanhã. O presente é que conta”.

Vi partirem os carroções, tangidos pelas populações irritadas. Para onde iam os ciganos? Ninguém sabia. Não haverá nunca, nem ontem, nem amanhã e, sim, o dia que se vive, que se ganha, o dia a dia de todos os tristes ciganos do triste mundo.

dinah-silveira-de-queiroz
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.