Fonte: Café da manhã, Olivé, pp.262-263.

Toma-se por uma estrada menor, a via Tiberina, saindo da autopista de Roma e, de súbito, bem se cai num panorama rústico, as campinas encharcadas de umidade, semeadas de hortaliças, extensões verdes, mais adiante alegradas por um gado gordo que vai pastando lentamente. Num instante, penso em Monteiro Lobato dizendo “que o brasileiro come carne de boi mártir”, mas somos colhidos pela surpresa que nos retarda o passeio: um enorme rebanho de ovelhas invade a pequena estrada, paralisando totalmente a passagem. Aproveito a oportunidade para ter uma entrevista com o pastor dessas ovelhas gordas, de cheiro forte, apresentando o superdesenvolvimento das coisas europeias.

O pastor ativa as ovelhas para que passem depressa e desimpeçam a estrada. O cachorro ajuda o dono, cercando as ovelhinhas e ganindo alegremente no seu esforço de policiar o pequenino povo atrasado em sua meta de transpor aquele obstáculo.

― Há quanto tempo o senhor lida com ovelhas? 

―  Vai fazer 30 anos ― responde o pastor.

Sem dúvida, está ele na casa dos 60, mas com as cores e o viço da velhice feliz do campo. Os olhos azuis indagam, enquanto as rugas se lhe formam em torno, desconfiados: “Que deseja saber?” Eu não desejo nada. Apenas acho interessante aquele momento de vida em companhia de um homem que há quase 30 anos vive no meio de ovelhas. Para perguntar alguma coisa, questiono:

― É verdade que existem as famosas ovelhas negras, as ovelhas más?

O pastor faz um largo gesto de superioridade diante da ignorância:

― Todas as ovelhas são boas ― revela. ― Há quase 30 anos vivo no meio delas e nunca vi uma que não fosse boa.

E, como o cachorro houvesse suspenso seu trabalho de vigia e, assanhado, se imiscuisse na breve conversa, o pastor atirou-lhe em cima o bastão, dizendo para mim:

― Ruins só mesmo os cães... que nos imitam. Eles, que querem ser como nós, é que não valem coisa alguma.