1. Hoje não haverá tempo para a leitura calma dos jornais. O nervosismo se instalou na cidade. Os últimos telegramas de boas festas serão redigidos e enviados; nos escritórios, só as providências realmente inadiáveis serão tomadas; as lojas receberão os compradores retardatários, que quase sempre se apresentam em multidão; as estradas estarão congestionadas.
O próprio Papai Noel, lamento informar, andará de tal modo atarefado com as pessoas grandes que lhe será materialmente impossível distribuir presentes às crianças que ainda acreditam nele, e por isso lhe mandaram mensagens. O pobre Noel vai passar hoje a noite em giro veloz pelo mundo, distribuindo armas aos mais diferentes movimentos de libertação, aos países que se julgam ameaçados pelos seus vizinhos. Aos terroristas de todos os matizes.
As crianças se contentarão com brinquedos visivelmente comprados pelo papai ou pela mamãe, nas lojas do bairro. Bicicletas, velocípedes, bonecas, skates, pistas de corrida Fitti-Show – todas essas coisas que são apregoadas pelos vendedores o ano inteiro, e que não deixam de ser fascinantes, mas às quais faltará um crivo sobrenatural.
“Prioridade absoluta para a guerra”: eis a ordem que o bom velhinho recebeu dos donos do mundo. E, mesmo contrafeito, ele tem que cumprir ordens. Assim, lá irá Noel, no seu trenó, com sacos e mais sacos recheados de destruição e gemidos. Vai com lágrimas nos olhos, prometendo (sem convicção) que no ano que vem tudo será diferente; no ano que vem, todas as crianças, inclusive aquelas que sobreviverem aos atuais massacres, ganharão objetos concebidos para lhes ensinar o quanto é bom viver em paz, na inocência que nenhuma inquietude ameace.
2. Entretanto, de noite, nas reuniões íntimas, os pequenos pinheiros estarão instalados, com suas lâmpadas coloridas que acendem e apagam, e ao pé de cada árvore estarão os embrulhos cujo volume varia de acordo com o nível de vida de cada família. O peru assado na mesa, os doces, as passas, o vinho, o refrigerante. A mais bonita e a mais triste festa de todas, é essa na qual se comemora o nascimento de Jesus. As crianças, bem entendido, apenas se divertem, ansiosas pela chegada da manhã, quando se precipitarão às ruas a fim de exibir o que ganharam aos seus amiguinhos de quarteirão. Mas na consciência de cada adulto haverá, num momento qualquer da noite, a sensação de que há ali um espinho – atrás dos olhos, ferindo a consciência, um daqueles espinhos que vão coroar a cabeça do Nascituro, dentro de 33 anos.
3. Assim é o Natal, indescritivelmente alegre para os inocentes e lacerantemente triste para os adultos. Um gesto que não se fez, de solidariedade, no correr do ano, estará ali atrás dos olhos; e então ergueremos as taças e brindaremos: “Feliz Natal!”, e ficaremos zonzos, e zonzos juraremos que no próximo ano seremos melhores pais, melhores maridos, melhores amigos, melhores profissionais, e, assim alcoolizado, o espinho deixará de doer.
Seja como for, desejo um Feliz Natal aos leitores e tudo farei para ser também feliz na minha hora.
Quanto a Papai Noel, não adianta denunciar à ONU suas atividades de mercador de armas: ele recebe ordens dos donos do mundo, que são também os donos da ONU.