A primeira noção que tive desta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro me foi dada por uma mulher. Era de Minas, aeromoça internacional e ostentava uns lindos olhos azuis. Ela me deu a noção da distância: telegrafava me convidando para jantar. Eu recebia um telegrama no Estácio e ia jantar no Posto 6. Ela própria fazia a comida, fazia o drinque, e depois se deitava na cama e eu a seus pés. E eu ignorando que havia nela a compulsão da mulher da cidade grande, que consiste em esconder aquilo que está acontecendo. Nas cidades grandes, ou megalópoles, as pessoas se sentem orgulhosas quando estão informadas de fatos que os demais ignoram. Quando você aprende a ler a alma, você percebe o mecanismo que determina essa vaidade, e você fica embaraçado. Não se deve ler a alma de ninguém; aprendi a ler, e não recomendo. Essa moçoila, com todo o aparato da aeromoça internacional, que me lia Claudel e Rimbaud, estava desesperadamente apaixonada e abandonada. Atenção: eu era um provinciano, sem qualquer prática de mulher ou cidade grande; na minha imaginação, mulher de olho azul e pernas compridas era o fino; ainda mais lendo Claudel.
Fiquei sabendo, então, que o homem havia embarcado. Depois fomos, eu e ela ao cais do Porto, e nunca mais poderei esquecer aquele instante: ela, só, entrando num navio enorme, e me dando adeus. Eu só compreendo as coisas quando já se consumaram; meses depois é que avaliei a qualidade daquela solidão. A moça que manda telegrama para marcar o jantar, a moça fina de olho azul, estava doente. Não é loucura, não: estava doente de amor.
Desta forma se entregou a mim esta cidade. E eu me integrei a ela. A mocinha que lia Claudel, Paul Valéry, Rimbaud, Verlaine, parece que está quieta em Minas; mas as cicatrizes ficam, estou cheio de cicatrizes e quero dividi-las com vocês. Aquela garota dormia de pijama, em sua cama, e eu no chão, com minhas roupas. Um dia ela veio do banheiro tecnicamente nua, mas não me disse nada. Só fui compreender o sacrifício da minha honestidade alguns meses depois. Ela desejava que eu tomasse a iniciativa, ou seja, que desarrumasse tudo aquilo em que acreditava pelo mero prazer de possuí-la. Mas isso eu não faço. Minha honestidade só cai com o meu consentimento.
No meio dessas confusões indizíveis, — e quando digo “indizível” estou sabendo que escritor é aquele que diz tudo — no meio dessas confusões indizíveis, comecei a frequentar os botequins, e assim vamos começar um folhetim sobre esses acontecimentos.