Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 27/10/1966.

Zoé:

Ontem ia mandar notícias e acabei recordando algumas cenas de Paris. Agora vamos lá: – como a política ficou muito chata, as pessoas decidiram preocupar-se exclusivamente com música. Brotou em nossos ouvidos uma flor, chamada A banda – um hino nacional à inocência e à ternura. Ficamos todos assanhados, absolutamente todos: Dom Marcos Barbosa e Dom Hélder, o pipoqueiro do Posto 6 e Rubem Braga, a moça triste que vivia calada... Só se ouve falar na banda que passa, só se assovia a banda. Providenciarei um disco para você.

Nos festivais da canção (já tivemos dois e agora ouviremos um terceiro), tomamos conhecimento de uma geração que mais parece um time de futebol de grupo escolar, pois se dá a conhecer por nomes raros ou apelidos. Preste atenção: Tuca, Nana e Dori; Chico, Nara e Vandré; Bilinho, Maysa, Nelsinho, Taiguara e Betânia. (Na reserva, o velho Capiba).

Nesses festivais, o povo expressa claramente a sua paixão pela controvérsia e o seu amor às decisões pelas quais todos sejam responsáveis. Não podendo escolher o presidente da república, nos irmanamos numa divisão feita de solidariedade: uns aplaudem a Disparada, cantada por Jair Rodrigues, outros se entregam exclusivamente à já mencionada Banda, de Chico Buarque de Holanda. Mais tarde, entre os Saveiros e o Dia das rosas, novamente discordaremos com ardor, o que desperta a admiração dos estrangeiros. Em cada grupo de dez brasileiros, fervilham os sentimentos da multidão; esperemos que o próximo governo seja sensível a esta evidência.

Quanto ao atual governo, pensávamos que não o queríamos, porém acabamos descobrindo que ele é que não nos quer. Disto se extrai uma pequena lei de psicologia, segundo a qual rejeição engendra rejeição... Se eu estivesse disposto a descrever literariamente o tempo em que vivemos, o meu tema seria o ressentimento. Feia coisa é essa, semelhante ao ato de mastigar um alimento que não pode ser engolido. Contudo, não se trata de um pecado; creio que se inclui entre as doenças da alma, nele não interferindo a vontade, boa ou má. Por conseguinte, vivemos um drama cujo desenvolvimento ulterior conduz, ou à catástrofe que ninguém deseja ou a um exame de consciência, para o qual ninguém se prepara. Estamos engasgados com uma incapacidade evidente de reconciliação.

De seis em seis meses, anunciam que daqui a três meses as coisas vão melhorar. De três em três meses, cada coisa custa mais caro. O drama que nós, os privilegiados, vivemos ao nível da consciência, ao povo lhe dói no bolso. Resta-nos apenas a esperança de que a qualquer momento a banda volte a passar...

jose-carlos-oliveira
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.