Fonte: Jornal do Brasil, de 16/05/1971.

1. Tom Jobim esteve na alfândega e, após demoradas negociações, conseguiu liberar a mercadoria que lhe mandavam dos Estados Unidos. Era uma caixa em cuja tampa estava escrito: “Presente de Frank Sinatra”. Dentro havia duas dúzias do novo (e provavelmente derradeiro) long play do famoso cantor, intitulado Sinatra & Company.

O maestro já ia embora, feliz da vida, quando uma funcionária fez este comentário:

— O senhor diga ao Sinatra para não lhe mandar mais presentes feito esse. Isso só serve para lhe dar trabalho…

Sem saber, ela estava fazendo a declaração mais esnobe de 1971.

2. Alécio Andrade, vocês sabem, é uma espécie de filho adotivo meu e do Paulinho Mendes Campos. Garoto rico de Ipanema, extremamente tímido e sensível, foi por nós introduzido na roda boêmia do antigo Zepelim. Era poeta e pianista (grande intérprete de Bach). Paulinho lhe ensinou os rituais da boêmia e eu lhe mostrei o caminho que leva às mulheres. Fizemos grandes farras juntos.

Um belo dia, Alécio tomou horror ao piano, rasgou seus poemas e começou a tirar fotografias. E logo se revelaria um craque nesse novo ofício. Acabou indo passar uns meses em Paris, de onde nunca mais voltou. Sofreu a fome e o frio, ele que fora criado no padrão de vida da avenida Delfim Moreira. Quando estive na França, foi fácil perceber que Alécio, agora cidadão do mundo, nascera ali, no Boulevard Montparnasse. Aquela era a sua pátria.

Sua situação melhorou depois que começou a trabalhar como repórter fotográfico da Manchete na Europa. E finalmente aconteceu o grande prêmio, a recompensa que fizera por merecer nos duros tempos de exilado sem dinheiro. Alécio agora faz parte também da Magnum, que é a maior cooperativa de fotógrafos do mundo. Seu padrinho: Henri Cartier-Bresson, o Olho.

Alécio venceu.

3. As pessoas lerdas, feito eu, estão-se sentindo rapidamente ultrapassadas pelos fatos da prosperidade. É uma solidão estranha, solidão de gente pobre. Você vai almoçar entre amigos e a conversa gira toda em torno da Bolsa. Tais ações vão dar filhote, tais outras oferecem garantias seguras. A jovem recém desquitada revela:

— Saí da fossa entrando no mercado de ações. É quase como se tivesse descoberto um sentido para a minha vida. Vendi tudo o que tinha, estou morando com mamãe, e todo o meu dinheiro vai para a Bolsa. Nas duas últimas semanas ganhei cinco milhões…

É só no que se fala: ganhar dinheiro, dinheiro, dinheiro. Não se pode conceber algo mais diabolicamente excitante que a experiência capitalista. Os novos-ricos já estão gastando dinheiro na Europa, que descobre um turista generoso e alegre: o brasileiro. Se as coisas continuarem como estão indo, brevemente perderemos o complexo de inferioridade que temos em relação aos Estados Unidos.

Enquanto isso, Dona Sebastiana (a segunda) e Dona Joana ganham, cada uma, cinco bilhões dos antigos. É dinheiro demais; não dá nem para imaginar. Mas dá para influenciar o sono dos pobres. Eu, por exemplo, sonhei que Dona Joana, querendo mostrar ao mundo a imensidão de sua fortuna, desembarcou de um avião em Pequim e avisou:

— Estou disposta a dar um cruzeiro antigo a cada habitante da China de Mao.

Formou-se uma fila gigantesca. O primeiro a receber a grana foi Mao, depois Chu En-lai e Lin Piao; seguindo-se os 700 milhões de chineses restantes. Nenhum chinês ficou sem a sua moeda.

Pois bem, depois disso Dona Joana fez as contas e, sorridente, verificou que ainda lhe restavam quatro bilhões dos antigos... Quatro milhões de cruzeiros novos!

Quanto a mim, acordei mais pobre do que na véspera.

jose-carlos-oliveira
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.