Fonte: Seja feliz e faça os outros felizes: as crõnicas de humor de Antônio Maria, Civilização Brasileira, 2005, pp. 43-44.
"O de que eu não gosto é, exatamente, tudo o de que os outros não gostam e têm medo de dizer" – disse Adamastor, odiando Jayne Mansfield.
Adamastor é um homem magro, seco, que usa óculos e sardas. Ou, se não é assim, gostaria de sê-lo. Veste calças escuras de brim grosso, camisa de malha de algodão, preta, meias de longo curso e botinas de cano curto. Eis Adamastor, o estranho homem puro de quem o único juiz é a sensibilidade:
Não sente o menor carinho por velhos e crianças de colo. Para ele, homem que dança muito bem não tem caráter. Diz: "O homem, a não ser que seja de balé, precisa dançar apenas direitinho." Odeia as mulheres que usam spray net (laquê), anáguas (saias rodadas) e bordado inglês. As pessoas que contam anedotas ou que só contam anedotas estão a um minuto da paralisia geral. Acha que fotografia de índio (no cinema, também) é a coisa mais triste do mundo. Discurso, não pode nem ouvir falar e acha que todo bom orador é, no fundo, mau pai de família. Não tem a menor admiração por Castro Alves, Rui Barbosa e Afonso Arinos. Sai da sala onde há homem de pernas cruzadas e lhes aparece (entre a calça e a meia) os cabelos da canela. Acha, Adamastor, que os homens devem usar meias tão compridas que, sendo preciso, possam sair sem calças. Ou, então, que andem logo sem meias e de sapatilhas "sete vidas". Está absolutamente certo de que homem de ligas não dá sorte com mulher. Sustenta a tese de que mulher não deve fazer samba e desafia quem lhe mostre um samba, realmente bonito, feito por mulher. Gosta dos cegos, ajuda-os em tudo, mas acha que cego é muito intrigante. É generoso com os autores das canções, mas abomina aqueles que usam as expressões "própria natureza" e "própria dor". Tem o maior desprezo pelas pessoas que sabem consertar isqueiros. Odeia entrevistas de jogador de futebol, que começam em: "antes, porém, meu boa-tarde aos senhores telespectadores", seguem dizendo que "o adversário é um adversário cem por cento" e terminam com "o meu boa-tarde para minha senhora e minha mãe". Sobre o tratamento "minha senhora" e a palavra "telespectadores" não quer nem falar. Acha que as pessoas que falam em "bater papinho", "essa não", "bárbaro" e "cobra" deviam ir para Bananal, tirar retrato com os índios. Detesta as canções Dindi e Teté e não tem a menor pena de mudo, porque mudo não tem palavra.