É a tônica do nosso tempo. Ninguém tem direito à intimidade. Nem quer. Virado pelo avesso, o direito é de se expor, vísceras à mostra. Recesso do lar mais parece piada. Inviolável, uma ova. Eu mesmo inventei um recesso do bar, com happy hour. Muito scotch. Assim que passar a recessão, estará aberto. Um lugarzinho cozy, para abrir a alma. Deixar cair. Falar tudo. Pudor é neurose. Recalque. Amor? Breve e às escâncaras.

Qualquer sujeito com 15 minutos de notoriedade busca essa luz crua. Nada de penumbra. Reserva, só de mercado. Que mané recato coisa nenhuma. Mulher quer lá saber de pudicícia? A Carolina Rebeca, bonito nome, protesta de peito aberto. Mineira, quem diria, 18 anos, indignada, seu corpo fala. O espontâneo topless. O busto nu denuncia a lama. O esterco não é só adubo dos babilônicos jardins. Imorais são as cascatas, movidas a dólar.

Tudo se pode perguntar. Já não há resposta indiscreta. Como é que é: você está ou não está com Aids? A repórter indaga, o presidente responde. Briguinha conjugal vem pra boca de cena. Sobe e desce a rampa, visível. Close no dedo anular. Sem anel. Depois os pombinhos arrulham no palanque. É assim também na corte de St. James. No principado do Mônaco, nem se fala. A Caroline de lá está exposta à visitação pública. E nos Estados Unidos?

Bom, lá você começa pela confissão geral. Guilty or not guilty. O candidato a vereador diz quantas obturações a ouro tem na boca. O que come, o que bebe. Namorou fulana quando tinha nove anos? Deu de cima da secretária? Pior do que artista aqui. Veja o que dizem as letras. E as músicas. Não estranha que o cantor receba calcinha no palco. Ou distribua calcinhas de brinde. Autografadas. O sutiã, quem se lembra? Peça de troglodita. Que era mesmo que segurava?

Escritor, arquiteto, médico, atleta. Vá dizendo qual o lugar mais estranho em que fez amor. Com quem. Endereço, telefone, identidade. Na televisão está aí o talk show. Fale e mostre. Exiba-se. A cicatriz ou a tatuagem. Quanto mais inacessível, melhor. Que tal a cunhada? Fale claro. Palavrão é carinho. O público aplaude. Você não viu o professor outro dia? Começou pela semiótica do fio dental. E deu uma aula na TV sobre o bumbum. Grampear telefone? Claro que pode. Sigilo, meu filho, só bancário. Por enquanto, tá?

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