Você conhece algum sequestro simulado, de mentirinha, que tenha tapeado a imprensa e a polícia? Conheço, respondi para espanto do meu interlocutor. E tenho de começar a história pela av. Paraúna, Belo Horizonte, no começo dos anos 40. Através do dr. Mário Mendes Campos, pai do Paulo, tomei conhecimento da existência de um poeta chileno, Vicente Huidobro. Foi aí, aliás, que o Paulo começou a sua carreira de tradutor.

Rico, Huidobro foi um cosmopolita. Viveu em Paris a primeira infância, andou ceca e meca, conheceu todo mundo que valeu a pena. Fundou o criacionismo, um dos muitos movimentos de vanguarda do início do século. E fundou também uma sociedade secreta. Em 1922, fez em Paris uma ruidosa exposição de poemas. Reivindicou a primazia dos caligramas, que escreveu antes de Appollinaire, seu amigo, como os grandes da sua época. Picasso fez-lhe o retrato. Em NY, privou com Chaplin e Gloria Swanson.

A lista de celebridades é um catálogo: Marinetti, Erik Satie, Max Jacob, Buñuel, Unamuno, Malraux. Inconformista, Huidobro lutou na Guerra Civil da Espanha. Com o pseudónimo de Victor Haldan, mesmas iniciais VH, foi agitador político e profeta. Escreveu um panfleto contra o imperialismo britânico — “Finis Britannia”, por sinal que com um erro de latim (no genitivo é Britanniae). Isto foi em 1923. A 11 de março de 1924, sua mulher Manolita recebeu a notícia de seu sequestro.

Foi um deus nos acuda: “Chilean attaché disappears from Paris home and story of political vengeance starts” — mancheteou o Herald. Os repórteres de Paris saíram a campo: “Un homme de lettres chilien vient de disparaitre mystérieusement à Paris”. A notícia correu o mundo e chegou ao Brasil: “Desapareceu o fundador do criacionismo”. Nenhuma pista e a suspeita pesava sobre agentes ingleses.

O mundo diplomático se mobilizou, de toda parte choviam telegramas e especulações. “Vítima de uma emboscada”, titulou um jornal do Rio. “És loco o tonto”, disse Unamuno, quando dias depois Huidobro apareceu, pijama debaixo do braço. Contou uma história enrolada. Cloroformizado na Ponte d’Auteuil, foi raptado. Ninguém o demoveu desta versão. A farsa parece que escondia um rabo de saia. Tempos de nenhuma permissividade...

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