O bombardeio de números começa, mal rompe a manhã. Se é que cessa durante a noite, povoada de pesadelos. São dígitos, porcentagens e gráficos que estão por todo lado. Subiu a taxa de desemprego. Baixou por um momento o dólar no paralelo. Chegou à estratosfera o índice da inflação. A bolsa fechou em alta ou fechou em baixa, com números que entram pelos décimos. Subiu de um centésimo a cotação do ouro. Muito mais subiu o chuchu.

No seu livro sobre os anjos, Rafael Alberti tem um poema intitulado “El ángel de los números”. Para um poeta, tudo tem poesia. Também os números. Esse anjo de Alberti voa pensativo do 1 ao 2, do 2 ao 3, do 3 ao 4. Escrito nos anos 20, tem um toque surrealista e escolar. Adeja entre gizes frios e mortas lousas. Nem sol, nem lua, nem estrelas o acompanham. É solo nieblas. Mensageiro de catástrofes, até parece um anjo brasileiro deste ano da desgraça de 1991.

Com anjo ou sem anjo, o número tem algo de impostor. Quanto mais complicado, ou detalhado, melhor. Um preço, por exemplo. Nada de número redondo. Na etiqueta que marca 36.999 cruzeiros o freguês, engazopado, não vê o desembolso de 37 mil cruzeiros. Antecedido de um 3 e de um 6, cuja soma é 9, a sequência 999 traz, enovelada, a ilusão do preço inferior. Se assim é com os preços, imagine o que se passa no campo da estatística. Entramos aí no reino esotérico da numerologia.

Darrel Huff abriu o caminho da fantasia com o seu How to Lie with Statistics. Comprometido com a exatidão, o número tem uma aura de verdade mesmo em cima de uma mentira. Qualquer disparate ganha ares de verossímil. Você lê, por exemplo, que 24,99% dos cariocas sofrem de araquibutirofobia. Trocando em miúdos, isto quer dizer que em cada quatro cidadãos do Rio um está araquibutirofóbico.

Só na cidade de Surabaia já se contam 117.928 casos de araquibutirofobia, informa a OMS (Organização dos Mentirosos Sofisticados). No Rio o vírus da doença é 3,19 vezes mais forte do que no Oriente. A pesquisa comprovou que o contágio acompanha aqui a curva de frequência analagmática. É o caos! Ou o Apocalipse, cuja besta tem o número 666 (macaco no bicho). Ah, sim: araquibutirofobia? É o medo de que a manteiga de amendoim agarre no céu da boca. Começa de maneira imperceptível e leva o paciente ao pânico em poucas horas.

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