Um trechinho da entrevista do general Figueiredo creio que passou despercebido. É este aqui: “Os negros foram mão de obra barata no tempo da escravatura. O negro está indo à forra. Sofreu durante anos por culpa da nossa ganância. O que fizemos com o negro e índio estamos pagando agora”. Faz hoje 104 anos a Lei Áurea, que numa penada aboliu a escravatura. Texto perfeito, que cabe num só artigo: “É declarada extinta a escravidão no Brasil”.

A baderna de Los Angeles trouxe de volta o debate que agitou o final dos anos 60. E nele desponta uma espécie de nacional sentimento de culpa com relação ao afro-americano. Abertos à emigração, só o negro lá entrou à força nos Estados Unidos. E para ser escravizado. A abolição da escravatura custou uma guerra, a de Secessão. Mas a abolição não eliminou a discriminação, com a ignomínia do racismo legal.

O Brasil, uma vergonha, foi dos últimos países a abolir a escravidão. A Lei Áurea só saiu depois de uma série de leis pingadas a conta-gotas. Três séculos e lá vai pedrada de regime escravocrata. Um horror. Numa entrevista que fiz com o presidente Artur Bernardes, pouco antes de sua morte, em 1955, ele disse a mesma coisa que diz agora o Figueiredo. Usou um tom profético de objurgatória: o Brasil está pagando pelo pecado da escravidão.

O problema racial é um nos Estados Unidos e outro no Brasil. Nem por isto se pode negá-lo entre nós, com a balela da democracia racial. A colonização portuguesa aqui chegou com uma tradição diferente do WASP, o anglo-saxão branco protestante lá do norte. Aqui se deu a miscigenação. E o sincretismo, não só religioso, como cultural. Nem por isso a abolição promoveu a integração. Longe disso. Os 750 mil escravos de 1888, enfim libertos, iniciaram a favelização.

Há mais de um século, a marginalização do negro é visível a olho nu. Nem precisa estatística. Lá no norte um expressivo contingente afro-americano encontrou nos Estados Unidos da prosperidade a terra prometida. Aqui, nem isso. Uma negra pobreza escraviza milhões de brasileiros de todos os matizes, enquanto cultivamos o mito da bondade natural. E da nossa alegre cordialidade. Coração, temos. Mas há nele esse espinho ancestral da escravidão. Convém pensar na advertência do Bernardes e do Figueiredo.

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