A palavra que ganhou o mundo é italiana: graffitti, plural de graffito. Em Paris e em Nova York, em Londres e em Roma, é uma garatuja que suja mais do que enfeita a parede. No Egito antigo, em Pompéia, já havia graffitti. Só não havia spray e tanta parede para sujar. A paleografia e a epigrafia há muito estudam as inscrições que começaram na caverna com os trogloditas. Nenhuma dúvida: o homem sente a compulsão de escrever.

Escrever ou deixar qualquer sinal, compreensível ou não, que dê notícia de sua passagem. Os namorados que desenham tosco um coração na árvore e o atravessam com uma flecha querem perpetuar um instante fugaz. Pode ser de alegria, ou de sofrimento. Ou de alegre sofrimento, que é a mais frequente remuneração do amor. O resto no Camões: “É um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer”.

Os grafiteiros sujam em Paris as estações do metrô e dão pesado prejuízo ao tesouro público. Jack Lang, ministro da Cultura, chamou-os de artistas maravilhosos. Deixou-se fotografar, bouche bée, diante dos gatafunhos. A bajulação pode dar rendimento eleitoral. O povão, porém, não é assim tão compreensivo. 85% dos passageiros do metrô gostariam de ver os grafiteiros no xilindró. Na civilizada Suécia, muita gente acha que era preciso tirar o spray e botar uma enxada na mão desses novos bárbaros.

A moda se espalhou a partir de Paris em 1968. Eu, que lá estava no famoso maio, trouxe um álbum recheado de gracinhas. Era a época do é proibido proibir. Já nos anos 70, virou uma praga nos Estados Unidos. E, claro, chegou ao Brasil. Meio pensativo, meio vago, Rubem Braga gostava de murmurar: “Celacanto provoca maremoto”. O nonsense lhe dava certo conforto. É bom dizer de vez em quando alguma coisa que não quer dizer nada.

É por aí que escritores e artistas tentam penetrar o enigma da vida. Entre quatro paredes do sanitário, o adolescente crava na dureza do muro o seu protesto e a sua solidão. Mas hoje, equipados, o que lhes custa dinheiro, os garotos sobem na Candelária e até arriscam a própria vida nesse afã vanguardista. Ou troglodita. Entendê-los? Puni-los? Depois que picharam a parede do meu escritório, estou esperando o primeiro engraçadinho para atirá-lo de volta ao chão. Vá grafitar na casa da vovozinha.

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