Podem perguntar o que quiserem. Não há perguntas indiscretas. Indiscretas são as respostas. Há muito tempo que não leio uma declaração assim no início de uma entrevista. Mas esse introito chegou a ser um lugar-comum para abrir conversa com repórteres. Se o entrevistado era político, e quase sempre era, partia do pressuposto de que a indiscrição nunca iria além da sua atuação pública.
Hoje não faz sentido dizer que não há pergunta indiscreta, porque só há. À moda americana, na pergunta já vem embutida uma informação, ou uma versão, que o entrevistado rebaterá à sua maneira. Falo de um tipo de entrevista que desperta a curiosidade do público pelo seu forte teor de bisbilhotice. Na vida pública ou fora dela, qualquer pessoa notória está sujeita a esse gênero de pergunta invasora. Há por aí um pacto de que intimidade já era.
Se você quer aparecer, ou se precisa de ter o nome em cartaz, trate de se exibir. Numa linguagem rude, é o caso de dizer: ponha para fora os seus podres. Comece por dizer que não se arrepende de nada do que fez. Aparentar firmeza, seja no acerto, seja no erro, dá ideia de coerência e até de uma certa bravura diante da vida. Nada deve ser dito em tom de confissão, porque confessar já sugere a sombra do arrependimento. Quem confessa é penitente. E você não tem de se penitenciar de nada. Seja impenitente, implacável.
Estou pensando nisso porque li uma série de entrevistas, dessas intermináveis e detalhadas que o gravador registra no tom do improviso coloquial. O leitor curte o gênero. Quanto mais mexerico, melhor. O sujeito vai tirando véu por véu, se já não aparece nu (ou nua) logo na primeira linha. E nós ali de voyeurs. Ninguém mais se ruboriza, como gostava de dizer o Nelson Rodrigues. Aliás, o próprio Nelson metia o escafandro pelos mais recônditos biocos da alma humana.
Mas o Nelson era um dramaturgo, mesmo nas ficções que assinava todo dia no jornal. Para não falar de exemplos mais próximos, invoco o que agora acontece com Bill Clinton nos Estados Unidos. Já está pintando como a reprise do Gary Hart. “Meu casamento não foi perfeito”, diz ele na televisão em cadeia nacional. A partir daí, já não é o buraco da fechadura. É a porta escancarada do que até outro dia se chamava câmara nupcial. Hoje ninguém escapa de sua hora de Madonna.