A foto mostra o Mário sereno, de perfil, a mão direita largada no encosto da poltrona. Para onde olha? Com quem fala, se fala? Não consigo localizar no tempo essa foto. Mário andaria por volta dos 50 anos. Ou menos. É possível. Ou mais. De fato, nunca envelheceu. Conheci-o em 1945, quando voltou do exílio que lhe foi imposto pela ditadura Vargas. Vinha dos Estados Unidos, fervilhante de ideias. Já tinha uma larga experiência, uma cultura vivida que o tornava fascinante.

Inscreveu-se na Esquerda Democrática, ala utópica da UDN, e apoiou a candidatura do Brigadeiro Eduardo Gomes. Derrotado o Brigadeiro, a ED se transformou no utópico Partido Socialista Brasileiro. Impossível não admirar o Mário e não lhe querer bem. Profundamente ligado à realidade, doido para intervir nos acontecimentos, cheio de ideias originais, Mário trazia ao mesmo tempo aquele ar de quem não é deste mundo.

Na Constituinte de 1946, repórteres ambos, eu me sentava ao seu lado. Seu sense of humour lhe acentuava a seriedade. Antes, ou foi depois? Foi antes: fundou a Vanguarda Socialista, onde conheci o Luiz Alberto Bahia. Numa ida a Belo Horizonte, levei a Minas o material do PSB. Hélio Pellegrino foi arrebatado primeiro pelos artigos do Mário. Em seguida veio ao Rio e se tornou seu amigo para o resto da vida.

Pertencia à “canalha trotskista”, que o stalinismo tinha condenado ao inferno. Tinha passado pelo Partido Comunista, no Brasil e na Europa. Viu a ascensão de Hitler na Alemanha. Lutou nas ruas de Berlim, como lutou em São Paulo, onde levou um tiro numa arruaça. Inquieto, sempre disposto no plano político e social para o que lhe parecia a boa causa, Mário se enganou mais de uma vez. O Brasil dribla os homens de boa-fé.

Sua atuação como crítico de arte foi marcada pela obsessiva ideia da renovação. Agitador de ideias, seu olhar puro e matreiro tinha qualquer coisa de infantil. Seu protesto em 1964 lhe inspirou dois alentados livros. Exilado em 1968, não tirava os olhos do Brasil. Nossos papos noite adentro no Guincho, em Cascais, em Lisboa. Almoçamos no Rio na véspera do dia em que viajou para São Paulo. Foi se inscrever no PT novinho em folha. De bengala, boina, vejo-o à distância de dez anos. Que pensaria hoje do mundo? Do Brasil? Uma coisa é certa: sua utopia inabalável acharia jeito de se alimentar.

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