Não sei se o Gilberto Braga pensou no Anatole France. Ele conhece bem a literatura francesa. Ao seu lado, no O dono do mundo, está a Ângela Carneiro, que é até professora de francês. O Anatole está fora de moda. Ninguém mais o lê. Vai nisto uma lição de humildade para quem pensa que a glória literária tem compromisso com a posteridade. Perpétua, só sepultura. E assim mesmo, olhe lá. Hoje, nem cemitério tem segurança. Mas o assunto é tão desagradável que convém mudar de parágrafo.

Na geração do Carlos Drummond de Andrade e do Milton Campos, lá pelos anos 20, todo mundo lia o Anatole. Era obrigatório, numa época em que ler fazia parte da boa educação. O Kundera de hoje em dia, ou a Yourcenar de outro dia, nem chegam aos pés do prestígio do sorridente e corrosivo Anatole. Quando esteve no Rio, foi incensado como um deus. Morreu em 1924, no auge do sucesso. Três anos antes, foi Prêmio Nobel. Ele sozinho era a França, que aliás incorporou ao seu pseudônimo.

Seu nome verdadeiro era Jacques Anatole François Thibault. Quando morreu o Anatole, o jovem Drummond escreveu em Minas um artigo laudatório. O Mário de Andrade em carta passou-lhe um pito, que foi decisivo para mudar a cabeça do poeta. Deixasse de ser bem-pensante. Botasse de lado aquela mobília francesa de luxo. Nada de posar de cético e irônico. Tinha era de encarar a nossa realidade. “Carlos, devote-se ao Brasil junto comigo" ― clamava o Mário, profético.

Volto à Taís, ou Thaïs, título do romance do Anatole. Taís hoje é a beleza novata da Letícia Sabatella. Uma gracinha. A verdadeira Taís foi uma santa do século 4, no Egito. E foi também uma cortesã lindíssima, que Alexandre Magno arrastou até a Ásia. No grego, Taís quer dizer “contemplar com admiração”. Popularíssimo a seu tempo, o romance do Anatole povoou o Brasil com meninas batizadas de Taís.

Dou essa volta toda para mostrar que sempre fica alguma coisa da criação literária. O nome do Oswald de Andrade também saiu de um romance, da Madame de Stäel. Vinicius saiu do Quo Vadis?, do Sienkiewicz. Há tempos fui ler o Anatole, que não chegou à minha geração. Escreve num francês gostoso, que passou de moda, mas tem lá o seu encanto. Mas a Taís da televisão tem mais charme, ah, isso tem.

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