Se há refinamento no mundo, em particular nos Estados Unidos, é ali em São Francisco que se apurou mais. Tanto bem-estar, tanta liberdade, cultura e contracultura se entrosam. Beatniks, hippies, gays. Cada qual com a sua bandeira. A beleza natural lembra o Rio. Só que o Rio é muito mais bonito. Lá o engenho humano não agride a paisagem. A ponte Golden Gate também ondula, como o mar. Prosperidade e excentricidade se casam, sem ofensa mútua.

Tinha que ter ao menos tremor de terra, a Califórnia. Não seria justo que fosse assim perfeita, sem ameaça. Beleza e riqueza lado a lado, olhando para o Oriente e desfrutando o Ocidente, àquele pedaço da Costa Oeste chega tudo de bom que o mundo tem. Alcançou a excelência, nenhuma dúvida: lá está. Joia fina ou objeto simples, se é de primeira, a Califórnia atrai e frui. Consome. As melhores grifes. Todas as ciências do mundo. Também as ocultas.

Isso mesmo: a quintessência do requinte e nenhum perigo. Como num mundo de fantasia, pode-se andar à vontade pela rua, de dia ou de noite. A esquecida alegria de flanar. Não fosse o chofer de táxi e eu não teria encontrado aberto o restaurante chinês, bem de turista rico. Numa língua estranha, ria-se muito na mesa vizinha. Era a trilha sonora da felicidade terrena. O milionário mundo da fantasia. E o nome do Poverello na cidade. Seu patrono.

Bobagem. Nada de trazer para cá o eco barroco de velhas culpas. Pecados fora de moda. Eia, sus, o paraíso aceita forasteiros. Basta pagar. Apesar dos drinks, a noite está agora deliciosamente fria. Ladeiras intermináveis e afinal o hotel. Da outra vez, há tantos anos, não vi um único mendigo. Hoje, estão bem visíveis. Os mendigos até editam um jornalzinho da categoria. Que compro na mão de um letrado. Mendigo recita Auden. Deve ser poeta também.

Absoluta tranquilidade? Pois sim! Poucas horas depois, ali mesmo na Union Square ia começar a baderna. Na porta do hotel Westin, viraram um carro de pernas pro ar e lhe atearam fogo. Quebraram o Macy’s, que por sinal está com os preços muito inflamáveis. A onda selvagem estripou as belas butiques. O que o terremoto fez em 1906, é a mão do homem que por sua conta agora quer fazer. Posto em sossego, vejo pela televisão que a ordem em São Francisco é uma casquinha. Por favor, qual é o endereço da paz, da concórdia e da segurança?

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