Até outro dia, o Brasil era um país essencialmente agrícola. A definição estava na retórica e na realidade. Ainda hoje, se raspar um pouco a pele de um dos nossos playboys, logo se encontra o cheiro da roça. Ou do curral. Há de ver que vem daí o sucesso da onda caipira. O rodeio em Barretos atrai mais gente do que o Maracanã. Xitãozinho e Xororó são capazes de vender mais discos do que a Xuxa e o Roberto Carlos.

Mesmo escondida atrás do modismo americano country, é a velha roça brasileira que está no nosso inconsciente coletivo. Justíssimo, pois, é o sucesso que está fazendo a vaca Baronesa. Pesa 550 kg e, boa mãe, trouxe com ela a filhinha. Veio concorrer ao título de Miss Leite B, no festival “Country in Rio” que começa hoje. Tem um curriculum respeitável para vaca brasileira. Sua origem é holandesa, mas deve ser mestiça e raceada, como convém a uma boa brasileira.

Está hospedada no Caesar Park, que recebe muita gente famosa. Foi lá que vi Elis Regina pela última vez. Lá esteve, mas não o vi, o rei Gustavo da Suécia, o que me lembra a Dinamarca. Ou melhor: uma vaca que vi numa fazenda dinamarquesa. Tinha um ubre tão grande que parecia um aparelho de carregar o próprio ubre. A vaca era adjetiva. O substantivo eram as tetas. O fazendeiro me disse que gostava mais da vaca do que da sua mulher. Vi uma e outra e entendi.

O rei Gustavo pode ter tido pesadelo na suíte presidencial. Num caso assim a suíte devia ser imperial. Ou monárquica. Lá esteve também o general Pinochet. Este deve ter-se sentido promovido de ditador a presidente. Foi preciso que manifestantes lá fora lhe refrescassem a memória. No caso da Baronesa, vê-se que traz no nome a nostalgia do Império.

Vinda de Campos, no norte do Estado, a vaca chegou duas horas atrasada. Diz a notícia que foi por causa de um pneu furado. Na cabeça de muito leitor que já não sabe o que é uma vaca, a Baronesa veio rodando em cima de quatro pneus. Não se imagina uma vaca e suas quatro patas numa rodovia. Parece uma ideia absurda. De repente a roça ficou muito longe no Brasil de hoje — urbanizado, industrializado e avacalhado. Deu-se aí o split da nossa esquizofrenia. Convém por isso mesmo ir ver e apalpar a vaca, na suíte vacum da calçada da Vieira Souto, em Ipanema.

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