Há quem diga que o telefone matou a carta. No Brasil pelo menos, com os telefones na petição de miséria em que andam, a afirmativa não é verdadeira. E agora existe o fax, que é instantâneo (e também depende do telefone). O brasileiro nunca foi muito de escrever carta, em parte por causa da tradicional ruindade dos correios. Nem por isto deixamos de ter alguns notáveis epistológrafos (eta palavrão!).

O mais notório deles é Mário de Andrade. Suas cartas constituem uma obra à parte, importante para a cultura brasileira. Outro carteador emérito foi Monteiro Lobato. Durante mais de 40 anos trocou um sem-número de cartas com Godofredo Rangel. “Isto de cartas é sapato de defunto — depois que o autor morre é que elas aparecem”, escreveu Lobato, quando resolveu publicar A barca de Gleyre, com as suas cartas. O que é uma pena é que até hoje não tenham aparecido as cartas de Godofredo Rangel para Monteiro Lobato.

O paulista e o mineiro tinham temperamentos diferentes, quase opostos. Lobato, empreendedor, cosmopolita, tagarela. Rangel, um bicho de concha, tímido, taciturno. Enéas Athanázio lembrou-o em O amigo escrito, título da biografia que publicou e que tem a ver com a epígrafe de Monteiro Lobato: “Não somos amigos falados, somos amigos escritos”. Lobato saiu de Taubaté e andou pelo mundo. Rangel viveu e morreu em Minas. Só se viram quando estudantes em São Paulo.

A paixão das letras manteve acesa a chama da amizade entre os dois escritores. Fenômeno parecido e até mais curioso é o de Jackson de Figueiredo e Alceu Amoroso Lima. Cartearam de 1919 a 1928. Jackson morreu num 4 de novembro, afogado, em 1928. Tinha 37 anos. Era um rapaz. Teria feito cem anos em outubro deste ano. Alceu (Tristão de Athayde) quase chegou aos 90 anos. Morreu em 1983.cr

Temperamentos também opostos, João Etienne Filho deu à recém-publicada correspondência entre ambos o título de Harmonia dos contrastes. A expressão é do próprio Alceu. Saiu agora o 1° volume das cartas de um e de outro. As de Alceu são inéditas. Vivendo no Rio, os dois amigos poucas vezes se viram. Jackson era um espírito boêmio e noturno. Estava ligado a Alceu pela inquietação religiosa. Ambos se converteram ao catolicismo. Como no caso de Lobato, bastaria a correspondência para os manter vivos, no quadro da nossa cultura.

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