O carro parou na minha frente e vi, meio distraído, o plástico. Discreto, bem desenhadinho. Eu acredito em anjo. Será uma nova onda? Outro dia mesmo os plásticos acreditavam em duendes. Mas os duendes, assim como vieram, se foram. Não os vejo mais em lugar nenhum. Nem cheguei a iniciar a minha pesquisa, para identificar a origem dessa volta fugaz aos duendes. Ouvi dizer que tinha a ver com a ecologia. O duende seria florestal.

Mas assim como apareceu, sumiu. Os duendes cariocas devem ter se recolhido à floresta da Tijuca. Ou à reserva dos Macacos. Combinam mais com os macacos. O duende é um bicho brincalhão, dado a travessuras. Eu disse bicho? Que bicho coisa nenhuma. É uma entidade. Um ser que, por não existir, tem uma existência real. Imagine um mundo que não fosse povoado por esse tipo de gente. Já que escrevi, não vou cortar a palavra.

Pois é gente mesmo. Na realidade ou na imaginação, existem. São seres. Sem eles, o mundo seria como uma cidade sem pássaros. Ou um campo sem flores. São eles que, em casos extremos, nos ligam à vida. Mesmo no dia a dia, nos dizem ao ouvido este pequeno grande segredo: que a vida vale a pena e a dor de ser vivida. Só sabemos o que é alegria porque conhecemos o vale de lágrimas. Mas onde é que eu estava? Meu anjo largou a minha mão e me perdi.

Eu fiz questão de ver quem estava na direção do carro. Pelo carro se conhece o dono, ou a dona. Aquele carro do plástico, ou melhor, do anjo, estava na cara que era carro de moça. A marca, o jeitão, a cor. E era. Acertei. No primeiro sinal, banquei o brasileiro e olhei com descaro. A moça ia tão arrumadinha e consciente do que vale que só podia ser um anjo. Era ela o anjo. Via-se que o carro lhe era acessório. E lá se foi, silente, etérea, com o seu sinal de paz e beleza.

Logo adiante, outro plástico. Anjo da guarda: eu acredito. Já não era agora só um anjo. Um qualquer. Mas o que cada um de nós traz consigo. O anjo custódio, não só mensageiro, mas guardião. Amigo, aponta o caminho e nos sopra a boa palavra. Nem a Igreja o impõe, dogmático. Acredita quem quer. Ou quem precisa. Esse bom companheiro nos segue passo a passo desde o berço. É o que restou da fé. O que vem da infância e vai para lá da realidade. Ar puro. Sim, eu acredito.

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