Lembrei-me outro dia do Kipling e de sua visita ao Brasil, em 1927. Chegado a floresta e a clima quente, o escritor se interessou aqui pela fauna e pela flora. Gostou da nossa onça, que em inglês chamou de jaguar. E ficou fascinado pelo nosso modesto e tímido tatu. Um bicho, cá pra nós, que nunca despertou o entusiasmo de ninguém. Solitário, só sai da toca de noite. E tem o mau hábito de passear no cemitério.

Mas o Kipling gostou e está acabado. Examinou as plaquinhas da sua couraça e achou engenhoso aquele mecanismo elástico. O tatu não só se vira, como dobra o corpo. Um prodígio. Até a cauda, pois tem cauda, vem munida de armadura. Com exceção do tatu-do-rabo-mole. Se está ameaçado, num minuto ele fura no chão um buraco e some. Nem cobra lhe mete medo. Se ela bobeia, come a cobra inteirinha. O do Kipling era um tatu-galinha. Carne tenra e gostosa.

Se o Kipling o comeu? Não sei. Levou-o para Londres, como contei. Nisto, abro o jornal e dou com uma notícia. Descobriram em Vermont um poema do Kipling que revela que ele era homossexual. Viro a página e outra notícia. Sobre um menino-tatu, que em Arapiraca, Alagoas, sempre Alagoas!, cavou um buraco no chão e lá instalou a sua casa. Debaixo da casa dos seus pais, o menino-tatu conseguiu um abrigo subterrâneo mais espaçoso e confortável do que o barraco do andar de cima.

Eu tinha acabado de mandar para a Folha a história de Kipling e do tatu, quando abri um envelopão que o meu irmão Fernando me mandou. Trazia um livro editado pelo Senado Federal. A página 207 e seguintes estão dedicadas a “Rudyard Kipling e o Rio de Janeiro”. O autor é Antônio Baptista Pereira, pai da minha querida amiga Stella, que por sua vez é neta do Ruy Barbosa. Acredite se quiser: naquele exato instante eu estava ligando para a Stella. E ainda não tinha lido o pai dela.

Baptista Pereira acompanhou o Kipling no Rio e anotou os versos que há tempos em vão eu procurava. Lá estão: “I never saw a jaguar / Not yet an armadillo/O dilloing in his armour”. A facécia, segundo Baptista Pereira, assim se traduz: “Nunca vi um tatu tatuzando na sua casca”. “Dilloing” não está no dicionário. É um neologismo que o Kipling inventou. Ora vejam: o nosso tatu enriqueceu a língua de Shakespeare. No mais, o Amyr Klink diz que não existe coincidência. Vai ver, não acredita nem em tatu.

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