Ouço dizer que o Marcílio está afônico. Logo ele, que fala pouco. Afônico fica quem faz uso imoderado da voz, com exaustão das cordas vocais. Resulta de um dano do aparelho fonador. Li outro dia um foniatra sobre a doença dos oradores. Esqueço agora o nome científico, de raiz grega. Orador ou ator, locutor ou cantor, profissional da voz tem de se cuidar. Recorre a uma série de macetes e mezinhas.

O Marcílio não é propriamente um língua de trapos. Nem sofre da tal doença dos boquirrotos, tipo esses oradores que tomam a palavra e não devolvem. A afonía do ministro pode ter sido um ventinho traiçoeiro que o pegou na Europa. O inverno não respeita nem majestade. Quanto mais ministro brasileiro. Foi lá em cima bater caixa com os credores e deve ter ouvido muito mais do que falado. Também pode ter ficado rouco de tanto ouvir, como diz o outro.

Houve aqui um ministro tagarela que um dia se viu em palpos de aranha. O assunto tinha vazado e ele não podia abrir a boca. O que dissesse, estava perdido. O tema em pauta, uma bruta expectativa, os repórteres sôfregos, abre-se a porta com fragor. O ministro mais mudo que um carmelita. Sua excelência amanheceu afônica, explicou o porta-voz. E exibiu o atestado médico. Afônico por três dias, o ministro pensou em fazer voto de silêncio. Adorou.

O escritor Aníbal Machado, pai da Maria Clara, uma flor de criatura, um dia ficou afônico. Tinha um monte de amigos. Muito comunicativo, o interlocutor ouvia o Aníbal murmurar, delicadíssimo, que estava rouco. Resultado: colheu em poucas horas uma enfiada de confidências. A fala ciciada conduzia o diálogo para o tom sigiloso e reservado. No fim do dia tinha uma tonelada de segredos ditos em confiança.

Acho que foi o João Condé que uma vez teve a ideia de juntar quatro escritores para escrever um romance. O Aníbal Machado era um deles. O título era O mistério dos MMM e saiu pela José Olympio. Se fosse hoje, todo mundo jurava que era sobre o Marcílio Marques Moreira. Além de três MMM, ele é seu tanto misterioso. Escusa por isto mesmo ficar afônico. Mas um pouco de silêncio nunca é demais. Na cúpula do governo dizem que há até quem carece de uma crise de afonia. Carece e merece. Vinha a calhar. E quem sabe o Brasil saía lucrando.

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