12 mar 1992

As bodas e o bode

Periódico
Folha de S.Paulo

Publicada no livro Bom dia para nascer, Companhia da Letras, 2011.

Como se diz hoje em dia, são dois casais emblemáticos. Ou eram. Todo cuidado é pouco com o tempo do verbo, quando se trata de casal. Agora é, daqui a pouco já era. O que não impede que na separação floresça uma aliança de boa amizade. Ex-marido e ex-mulher vivem então em perfeita harmonia. Não apenas entre artistas, pessoas excêntricas. Ou gente famosa, colunáveis que são notícia e nunca sabemos por quê. Nem nós, nem eles.

Casal era antes sinônimo de harmonia, pelo menos no dicionário. Tempestuosa era a separação, sobretudo se o matrimônio se confundia com o patrimônio. Havia também, e ainda há, o casal unido por um recíproco rancor. É um sentimento humano entre humanos. E muito forte. A proximidade cria essa espécie de ferrugem das almas. Ou dos corações. Amor e ódio podem ser irmãos siameses e vivem sob o mesmo teto. Hoje, o emblema do mundo é a instabilidade.

Tão bem formado quanto imexível, criou-se até o neologismo desestabilização. Tudo agora é mexível. Desestabiliza-se um ministro. Um presidente, ou todo um governo. Fique todo mundo ciente de que não se tem a menor garantia. Certa, só a morte. Para morrer, basta estar vivo. Para separar, basta estar casado. Há caso de casal que se casa só para ter o prazer de descasar

E os dois casais emblemáticos? Não esqueci, não. Nancy e Reagan. E Virginia e William. Os Reagan, unidos pelo sobrenome. E Masters e Johnson, marca registrada, cada qual com seu family name. Dois casais que americanamente vinham de casamentos anteriores. Depois de Hollywood e da Casa Branca, duas corridas de obstáculos, Nancy e Reagan chegaram às bodas de esmeralda. Uma proeza. 40 anos de casados. Dois pombinhos, que ainda agora arrulharam na festança de Los Angeles. E passearam românticos de barco.

Já a canoa de Virginia e William afundou. Juntos desde 1957, bodas de coral, Masters e Johnson casaram em 1971. Até as bodas de pérola, pesquisaram tudo e tudo ensinaram sobre competência conjugal. Ou sexual. Ele 76 anos, ela 67, a vida em comum acabou num tremendo bode, apesar das afinidades na pesquisa sexológica. Como a razão comercial e os lucros são indissolúveis, vão continuar pesquisando e ensinando. Como viver em paz cada um por si. Esta é fácil. O faturamento na certa vai despencar.

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