3 out 1992

Asmáticos e asmólogos

Periódico
Folha de S.Paulo

Publicada no livro Bom dia para nascer, Companhia da Letras, 2011.

Não sei por que veio bater aqui em casa uma revista médica. Tomei conhecimento de como a betaciclodextrina é metabolizada em glicose. Mas o que me impressionou mesmo foi o que há de novidade em matéria de terapêutica da asma. Meu conhecimento no ramo não foi adquirido nos livros. Ainda que remoto, é saber de experiência feito. Uma vez imaginei fundar um clube dos asmáticos. Fôlego curto, o Octavio Malta foi um que se entusiasmou.

Mas os asmáticos não são muito unidos. Tampouco os ex-asmáticos. É o meu caso, apesar de uma ou outra ameaça que lá de vez em quando me assusta. E quase sempre nos momentos mais inoportunos. Uma noite em Madri tive de sair de um jantar direto para uma farmácia. Se não opusesse feroz resistência, me recolhiam a um pronto-socorro com direito a balão de oxigênio. Lá se vão 20 anos. Foi minha última crise, espero. Última, isto é, derradeira.

Do tal clube dos asmáticos ficou uma crônica do Paulo Mendes Campos. Para o asmático, dizia ele, não há nada mais ofensivo do que perguntar se asma pega. Pois não é contagiosa. É de nascença e não mata. Dizem até que garante vida longa. Se não tiver complicação, o asmático fica pra semente. Como a tuberculose nos velhos tempos, a asma teria afinidade com certo tipo de gente. Gente sensível e inteligente. Verdade ou não, é um consolo.

Proust, por exemplo, todo mundo sabe que foi asmático. Vivia num sufoco tremendo, fechado naquele quarto forrado de cortiça. Isto nos seus últimos anos de vida, depois que encerrou a fase mundana. O que eu não sabia e a tal revista me informou é que há hoje a asmologia. E há asmólogos, claro. Aliás, aí em São Paulo existe um Jornal da Asma. Graças ao seu editor, dr. Charles K. Naspitz, pude ler exemplares de vários números.

Boa parte do mistério e até, por que não?, do encanto da asma é porque se trata de uma doença hereditária e noturna. Ataca de preferência à noite. E se retira com o sol. Na velha ortografia, escrevia-se “asthma”. Palavra grega, tem a ver com aspirar. A reforma ortográfica cortou o “th”. Se por um lado simplificou o nome da doença, por outro aliviou a dispneia dos “asthmaticos”. Um acesso em Paris, por exemplo, ainda hoje é bem mais grave. O “th” não soa, mas em francês ainda se escreve asthme.

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