Publicada no livro Bom dia para nascer, Companhia da Letras, 2011.
Não sei por que veio bater aqui em casa uma revista médica. Tomei conhecimento de como a betaciclodextrina é metabolizada em glicose. Mas o que me impressionou mesmo foi o que há de novidade em matéria de terapêutica da asma. Meu conhecimento no ramo não foi adquirido nos livros. Ainda que remoto, é saber de experiência feito. Uma vez imaginei fundar um clube dos asmáticos. Fôlego curto, o Octavio Malta foi um que se entusiasmou.
Mas os asmáticos não são muito unidos. Tampouco os ex-asmáticos. É o meu caso, apesar de uma ou outra ameaça que lá de vez em quando me assusta. E quase sempre nos momentos mais inoportunos. Uma noite em Madri tive de sair de um jantar direto para uma farmácia. Se não opusesse feroz resistência, me recolhiam a um pronto-socorro com direito a balão de oxigênio. Lá se vão 20 anos. Foi minha última crise, espero. Última, isto é, derradeira.
Do tal clube dos asmáticos ficou uma crônica do Paulo Mendes Campos. Para o asmático, dizia ele, não há nada mais ofensivo do que perguntar se asma pega. Pois não é contagiosa. É de nascença e não mata. Dizem até que garante vida longa. Se não tiver complicação, o asmático fica pra semente. Como a tuberculose nos velhos tempos, a asma teria afinidade com certo tipo de gente. Gente sensível e inteligente. Verdade ou não, é um consolo.
Proust, por exemplo, todo mundo sabe que foi asmático. Vivia num sufoco tremendo, fechado naquele quarto forrado de cortiça. Isto nos seus últimos anos de vida, depois que encerrou a fase mundana. O que eu não sabia e a tal revista me informou é que há hoje a asmologia. E há asmólogos, claro. Aliás, aí em São Paulo existe um Jornal da Asma. Graças ao seu editor, dr. Charles K. Naspitz, pude ler exemplares de vários números.
Boa parte do mistério e até, por que não?, do encanto da asma é porque se trata de uma doença hereditária e noturna. Ataca de preferência à noite. E se retira com o sol. Na velha ortografia, escrevia-se “asthma”. Palavra grega, tem a ver com aspirar. A reforma ortográfica cortou o “th”. Se por um lado simplificou o nome da doença, por outro aliviou a dispneia dos “asthmaticos”. Um acesso em Paris, por exemplo, ainda hoje é bem mais grave. O “th” não soa, mas em francês ainda se escreve asthme.