Azuis, verdes, castanhos Já uma vez escrevi aqui que todos temos a vista cansada. A gente vê sem ver. Não repara. Ou não presta atenção. Na hora de dizer como é, ou como foi, é uma dúvida cruel. Daí a controvérsia em torno de qualquer testemunho. A coisa mais simples, mais evidente, nos põe hesitantes. Um bom exemplo: a cor dos olhos do Carlos Drummond de Andrade. A editora pediu à Rachel Braga pra fazer um retrato do poeta.

 

Na hora de colorir, ai meu Deus, e os olhos? Do seu ateliê ligou para um e para outro. Todo mundo na dúvida. Um foi à bibliografia. Completa omissão. Outro foi à iconografia. Fotos em branco e preto não dizem a cor dos olhos. Um terceiro lembrou-se do retrato a óleo feito pelo Portinari. Mas a reprodução desbotada mostra uma cor indecisa. Um amarelo gateado. A indagação veio afinal bater aqui. Eu sapequei logo: azuis.

 

Eram azuis os olhos do poeta, escrevi com mão firme. Azuis eram também os olhos de sua filha Maria Julieta. Os óculos do poeta míope é que não deixavam ver o límpido azul. Olhos pequenos, têm nas fotos uma expressão melancólica. E eram mesmo olhos tristes, como aparecem no desenho da nota de 50 cruzeiros. Homenagear um poeta com essa porcaria de dinheiro que não vale nada. Mas vamos adiante. Olhos azuis? Que nada! Verdes, garante o Abgar Renault.

 

O Abgar é também grande poeta e conheceu o Carlos menino. Amigos da vida toda, jura que eram verdes. A Clara Diament, que me pede um texto sobre o Drummond, agora põe em dúvida o meu conhecimento do poeta. Se não sei nem a cor dos seus olhos! Pois aqui está: azuis. Disse e repito. O Abgar que me perdoe. Mas eram azuis. Azulíssimos. Pedi ajuda ao Cyro dos Anjos, amigo e compadre do Carlos. Duvidou um pouco, mas afinal produziu a verdade: azuis.

 

No desenho da Rachel Braga, ficou o azul. Aceitou o meu palpite e ainda me deu de presente o desenho. Muito bem bolado. Verdes, Abgar, eram os olhos do Vinicius. Pode algum leitor mal-humorado dizer que estamos discutindo o sexo dos anjos. Lana-caprina. Nada disto. Lúcio Cardoso uma vez me disse que só escrevia porque não tinha olhos verdes. Uma boa resposta à clássica pergunta: por que escreve? O Vinicius e o Carlos podiam dizer que escreviam porque não tinham olhos castanhos. Como os do Lúcio. Resposta igualmente válida. 

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