Por alguma razão inconsciente, eu fugia da notícia. Mas a notícia me perseguia. Até no avião, o único jornal abria na minha cara o drama da baleia encalhada na praia de Saquarema. Por mal dos pecados, o meu vizinho também não pensava noutra coisa. Leu a notícia com o rabo de olho e entrou no assunto com uma ração franciscana de conhecimento sobre o episódio e sobre as baleias.

Afinal, depois de quase três dias se debatendo na areia da praia e na tela da televisão, o filhote de jubarte conseguiu ser devolvido ao mar. Até a União Soviética acabou, como foi dito por locutores especializados em necrológio eufórico. Mas o drama da baleia não acabava. Centenas de curiosos foram lá apreciar aquela montanha de força a se esfalfar em vão na luta pela sobrevivência. Um belo espetáculo.

À noite, cessava o trabalho, ou a diversão. Mas já ao raiar do dia, sem recursos, com simples cordas e as próprias mãos, todos se empenhavam no lúdico objetivo comum. Comum, vírgula. O sorveteiro vendeu centenas de picolés. Por ele a baleia ficava encalhada por mais duas ou três semanas. Uma santa senhora teve a feliz ideia de levar pastéis e empadinhas para sorveteiro vender com ágio. Um malvado sugeriu que se desse por perdida a batalha e se começasse logo a repartir os primeiros bifes.

Em 1966, uma baleia adulta foi parar ali mesmo e em 15 minutos estava toda retalhada. Muitos se lembravam da alegria voraz com que foram disputadas as toneladas da vítima. Essa de agora teve mais sorte. Não porque fosse um filhote de 12 metros e apenas dez toneladas. Foi salva graças à religião ecológica que anda na moda e que por um momento estabeleceu uma trégua entre todos nós, animais de sangue quente ou de sangue frio.

Até que enfim chegou uma traineira da Petrobrás. Logo uma estatal, ó céus, num momento em que é preciso dar provas da eficácia da empresa privada. De qualquer forma, eu já podia recolher a minha aflição. Metáfora fácil, lá se foi, espero que salva, a baleia de Saquarema. O maior animal do mundo assim frágil, à mercê de curiosos. Moby Dick, a baleia branca, derrotou o obstinado Capitão Ahab. À noite, sonhei com o Brasil encalhado na areia diabólica da inflação. A bordo, uma tripulação de camelôs anunciava suas bugigangas. Tudo fala. Tudo é símbolo.

otto-lara-resende
x
- +