Impostura, me disse um leitor que encontrei na rua. Como é que você defende uma grosseira falsificação dessa? O cara entrou assim, sem limpar os pés nem me dar a ementa. Custei a entender que falava do Mário Peixoto. Aquela história de que o Eisenstein adorou o Limite e botou o filme nas nuvens assim que apareceu, em 1931. Com várias semanas em cartaz em Londres e Paris, as críticas foram uma enfiada de elogios.

Palavra que não sei direito se é tudo invenção do Mário Peixoto, ou se de fato o Eisenstein escreveu o tal panegírico. Também pode ser que tenha mandado uma carta: querido Mário, ai que inveja! Nunca vi nada mais bonito! Em que língua? Pouco importa: a língua geral do agrado e da lisonja. Aí, a carta não chegou ao destinatário. Ou o Mário, esquisitão, meteu-a no fundo de uma canastra. Não é todo mundo que arquiva as massagens no próprio ego.

Quem escreve em jornal está sujeito a isso. O leitor vem e cobra. Diverge, discute. Ouvi caladinho e saí pensando comigo mesmo. No Brasil é assim: para uma obra ter valor, tem que ter fiador no primeiro mundo. Sem aval, pode ser uma beleza, mas não passa de arte exótica, fruto do talento caboclo. Um gênio como o Machado, por exemplo. Morreu em 1908. Em 1953, 73 anos depois de publicado no Brasil, sai o Brás Cubas em inglês, traduzido por William L. Grossman: Epitaph of a Small Winner. Uma obra-prima.

Aí vem a Susan Sontag, no ano passado, e escreve no The New Yorker: “a masterpiece”. Machado? Nada menos que um genius, pra ser posto ao lado dos maiores do mundo. Falo do Machado, mas podia falar do Guimarães Rosa. Ou de outros. Como posso falar do Villa-Lobos. Podia falar de gente que está aí viva, graças a Deus. Mas é a tal coisa: é brasileiro? Então tem que ter o aval do FMI.

Esse FMI é uma invenção minha, um Fundo de Merecimento Internacional, que dá passaporte ao talento brasileiro. E exige fiador. Se o Darius Milhaud não disse que o Villa é maravilhoso, e o Milhaud nem chega aos pés do Villa, então o Villa não presta. Daí, o Mário Peixoto foi logo ao melhor aval, que era o Eisenstein de O Couraçado Potemkim. Mas o que interessa é a sua opinião, leitor. E não a do fiador. É ou não é um gênio o Mário Peixoto? Se o Eisenstein não achou, pior pra ele.

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