Acredite, se quiser. Sem qualquer associação com o Dom Casmurro, há dias venho lendo o Livro de Ezequiel. Ontem cedinho abri a Bíblia na página em que a tinha deixado na véspera, capítulo 16. Jerusalém é aí comparada numa alegoria à esposa infiel, que dá título ao capítulo. Começa assim: “A palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos: Filho do homem, descobre a Jerusalém os seus crimes abomináveis”.

Bastaram dois versículos, 1 e 2, para me remeter ao capítulo 116 do Dom Casmurro, cujo título é “Filho do homem”. Este é um dos capítulos que, a meu ver, denunciam a infidelidade da Capitu. José Dias chama o filho de Capitu de “o nosso profetazinho”. Explica-se: o nome do garoto era Ezequiel, o que leva o agregado a esta outra fala: “Dizei-me, filho do homem, onde estão os teus brinquedos?”

O leitor Rogério Belda acha que a polêmica sobre a traição da Capitu vai contribuir para que mais gente leia ou releia Dom Casmurro. Assim seja. Já o prof. Fernando Teixeira de Andrade discorda do meu ponto de vista, me acha algo desatualizado e relaciona uma competente bibliografia que, mera coincidência, também conheço. Quanto ao paralelo entre Bentinho e Otelo, está sim, desde 1960 em Helen Caldwell. Entendo, porém, que foi o livro de Eugênio Gomes que em 1967 fundamentou e vulgarizou a tese do ciúme do Bentinho para inocentar a Capitu.

Se na coluna “Não traiam o Machado” fui insatisfatório nesse ponto, reconheço também que recorri a certa rudeza de expressão. Há no meu texto um claro convite ao debate. Daí a ideia pateta, o despropósito, o disparate e o bestialógico, palavras que usei e elevaram a temperatura da polêmica. Na verdade, eu trouxe para o jornal uns restos de uma velha discussão calorosa, mas cordial, com um amigo que insiste em me contrariar. Público, o tom ficou inadequado.

Nesse tom é que o prof. Antonio Medina Rodrigues viu os meus desmandos. Daí denunciou o meu problema moral da escrita, a minha frase narcísica e concupiscente e a minha contemplação do meu próprio umbigo. Uf, que baita egolatria! Tento pôr de lado o haïssable moi e volto a Ezequiel, ao mesmo capítulo 16, versículo 4: “No dia do teu nascimento, teu cordão umbilical não foi cortado”. Outra coincidência, cá está o meu ego. Ou o meu umbigo. Posso garantir, porém, que ele foi cortado e enterrado ao pé de uma roseira em São João del Rei, para me dar sorte. Deu? Lá deviam ter enterrado também o meu ímpeto polêmico.

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